Próxima geração
‘Porque não’ não é resposta
O Banco Nacional de Dados Genéticos (BNDG) completou seu 35º aniversário em 2022. Desde 1987 tem ajudado as Abuelas de Plaza de Mayo a identificar os netos roubados pela ditadura militar argentina e a devolver a identidade de mais de uma centena de pessoas. A última restituição aconteceu em dezembro de 2022.
A restituição de identidade nunca é um processo fácil e atravessa gerações, tanto as anteriores quanto as seguintes. E ao mesmo tempo em que o fato de ter filhos pode dificultar a tomada de decisão em torno de dúvidas enterradas, é também justamente a geração descendente que tem potencial para impulsionar a continuidade da luta das Abuelas.
Hoje em dia, os netos que as Abuelas ainda buscam devem ter entre 40 e 50 anos. É a geração de pais de crianças, adolescentes e jovens adultos – e é nisso em que investe cada vez mais esforços a instituição das Abuelas de Plaza de Mayo.
“Acredito que estejamos em um momento histórico de desafio por já entrarmos em outra geração”, diz Tatiana Sfiligoy, uma das netas recuperadas pelas Abuelas que compõem o comitê diretor da organização. “Muitas vezes os adultos que se apresentam às Abuelas ou à CoNaDI (Comissão Nacional pelo Direito à Identidade) já têm filhos e são eles quem dão tração às buscas, porque fazem perguntas para as quais os pais não têm respostas ou talvez nunca tenham se questionado.”
A instituição acredita que a possível insistência por respostas dos bisnetos pode motivar que cada vez mais netos procurem resolver as dúvidas a respeito das origens genealógicas. Segundo María Laura Rodríguez, do departamento de apresentações espontâneas das Abuelas, muitos jovens têm ido até a sede da associação para contar a história da família e compartilhar as suspeitas de que o pai ou a mãe possa ser um dos netos buscados pelas Abuelas.
Como ainda não há tecnologia para identificar diretamente os bisnetos, a orientação dada por Rodríguez é que os jovens conversem com seus pais para que eles mesmos se apresentem à organização ou à CoNaDI, já que se trata de um processo espontâneo.
A confirmação de parentesco entre bisnetos e avós a partir da genética, porém, pode não estar tão distante. De acordo com a cientista do BNDG Florencia Gagliardi, o Banco está empenhado em desenvolver novas técnicas e marcadores de genealogia capazes de identificar bisnetos e até tataranetos das Abuelas. “Pela sua trajetória em genética forense aplicada à identificação humana, equipamentos de última geração e profissionais formados, acredito que o Banco ainda tenha muito potencial dentro do país e para outras causas de direitos humanos pelo mundo”, afirma a chefe da área de DNA mitocondrial.
Além do incentivo dados pelos supostos bisnetos, apostar nessa geração apoia-se no fato de que os filhos dos filhos dos desaparecidos não viveram pessoalmente o trauma da apropriação. Ou seja, se eles tiverem dúvidas sobre a origem de sua família, vão poder enfrentar a busca pelas respostas de forma um pouco menos incômoda e, por isso, dar mais apoio aos pais.
O BNDG deve existir pelo menos até que se identifique o 500º neto apropriado durante a ditadura militar. “O Banco nos dá a segurança e a tranquilidade de que, mesmo quando nós não estejamos mais aqui e todas as Abuelas se forem, ele continuará firme para dar respostas sobre a história dos argentinos”, acredita Claudia Poblete Hlaczik, neta da Abuela Buscarita Roa e também membro do comitê diretor da instituição.
Por enquanto, cabe aos netos já restituídos e filhos de desaparecidos garantir que o trabalho feito pelas Abuelas se mantenha firme e siga em frente, além de se empenhar na manutenção da memória histórica da ditadura e da instituição.
“Há Madres e Abuelas que, em suas cadeiras de rodas e com suas bengalas, continuam vindo, estando presentes e pressionando o Estado e a justiça”, diz Lorena Battistiol Colayago, que busca um irmão ou irmã nascido durante o cativeiro de sua mãe. “Se essas mulheres de 90 anos se levantam todas as manhãs e saem para lutar, não nos resta outra opção a não ser acompanhá-las e seguir seu trabalho. É um compromisso moral”, afirma ela, que é diretora nacional de espaços de memória da Secretaria de Direitos Humanos da Argentina.