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- Política de Cookies | Moray Dive School
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- Buscarita | Buscas das Abuelas de Plaza de Mayo
Buscar até o último As detetives Depois das infrutuosas visitas a delegacias, quartéis, hospitais e igrejas, tanto as Madres quanto as Abuelas começaram a buscar seus filhos e netos por outros meios. Muitas recorriam a conhecidos que tinham contato com alguém que poderia ajudá-las fornecendo informações ou até intermediando encontros com autoridades. Mas elas não podiam contar com a boa vontade daqueles que governavam o país naquele momento. Então, deram início a suas próprias investigações. As Abuelas incorporaram um verdadeiro papel de detetives. Além de interrogar vizinhos e potenciais testemunhas dos sequestros de seus filhos e netos, iam a escolas no horário de saída e se escondiam atrás de árvores ou carros enquanto procuravam por alguma criança que se parecesse com algum dos netos. “Outras avós fingiam ser vendedoras de produtos infantis. Tocavam a campainha e diziam: ‘Há um bebê nesta casa? Porque isso se usa assim…’. Dessa forma conseguiam dados e, em alguns casos, chegavam a ver a criança”, conta Nélida Navajas, avó que foi durante muitos anos secretária da instituição, no livro “La Historia de Abuelas”. “Estela [de Carlotto] propôs que formássemos equipes, e nós concordamos. Entrei em investigação. Deram-me uma câmera fotográfica e eu saía em meu Fiatzinho [Fiat 600]. No lugar indicado, levantava o capô do automóvel, como se tivesse algum defeito, e tirava fotos das crianças. Também conversava com as professoras e com as diretoras. Algumas me recebiam bem, outras, não. Às vezes me punham para fora da escola ou me perguntavam o que eu fazia com o carro em frente à porta, e eu lhes dizia que estava esperando minha neta.” Elena Opezzo ao livro “La Historia de Abuelas” CREATIVE COMMONS As primeiras denúncias de possíveis casos de apropriação vieram em papeizinhos que eram entregues a elas nas rondas da Praça de Maio. Um endereço e a informação de que um casal havia aparecido de repente com um bebê eram suficientes para que lá fossem as Abuelas tentar descobrir mais alguma coisa. Elas foram formando dossiês de investigação com relatos de testemunhas, depoimentos de familiares, denúncias, fotos e todo tipo de documento que pudesse ajudar na busca. Esses arquivos eram compartilhados com autoridades e personagens públicos com o intuito de ampliar cada vez mais o alcance sobre o que estava acontecendo na Argentina. As primeiras restituições A localização das irmãs Tatiana Ruarte Britos e Laura Malena Jotar Britos, em março de 1980, trouxe o fôlego de que as Abuelas precisavam. Depois de uma denúncia, as Abuelas foram até o juizado de menores onde corria um processo de adoção para as duas meninas, de seis e três anos, respectivamente. Sob a guarda do casal Sfiligoy, as crianças foram reconhecidas por suas avós e, posteriormente, Tatiana também as reconheceu – três anos depois do sequestro que as separou da mãe. Os pais adotivos nunca negaram que Tatiana e Laura (ou Mara, como havia sido nomeada por eles) conhecessem sua história, e as crianças mantiveram seus vínculos biológicos. “A princípio, queria que Tati viesse morar comigo. Mas entendemos que Inés e Carlos haviam formado uma família e elas estavam bem”, contou certa vez a avó paterna de Tatiana, Amalia Pérez, que era sempre recebida de braços abertos na casa dos Sfiligoy. Casos como o de Tatiana e Laura, porém, foram raros. Tatiana Ruarte Britos Sfiligoy e Laura Malena Jotar Britos Sfiligoy, restituídas em março de 1980 ARCHIVO ABUELAS O mundo precisa saber Ainda em meio ao regime, as Abuelas tentavam disseminar sua luta com a ajuda de exilados e figuras de projeção internacional. Um dos nomes que abriu muitas portas foi Adolfo Pérez Esquivel. O pacifista e ativista de direitos humanos ganhou o Nobel da Paz em 1980 e recebeu uma missão especial para a viagem em que receberia o prêmio: “Chicha Mariani [uma das fundadoras das Abuelas] me disse: ‘Olha, tenho que falar com você. Se você vai se encontrar com o Papa, com o João Paulo II, você pode levar os relatórios sobre as crianças’. Eu disse a ela: ‘Bem, então me prepare’”, escreveu o professor no livro “La Convención sobre los Derechos del Niño en la Argentina”. O slogan “Aparición con vida”, adotado pelas Madres de Plaza de Mayo em dezembro de 1980, que definia a exigência feita pelas mães dos desaparecidos, foi incorporado também pelas Abuelas e outros organismos defensores de direitos humanos. O caso das crianças apropriadas chamou a atenção inclusive da Comissão de Direitos Humanos da ONU. Concomitantemente às buscas, que nunca cessaram, as avós procuraram apoio na comunidade científica internacional para pedir por uma solução genética que as ajudasse. A saída foi adaptar a tecnologia dos testes de paternidade para criar o chamado índice de abuelidad , por meio do qual passaria a ser possível confirmar parentesco entre crianças e outros familiares além dos pais – incluindo pessoas de diferentes gerações, como os avós. A partir dali, era uma questão de tempo, pressão social e vontade política até que a revolução científica incentivada pelas Abuelas saísse do papel. Após o fim da ditadura, em 1983, todos os ingredientes estavam postos para a criação do Banco Nacional de Dados Genéticos (BNDG), que aconteceu menos de quatro anos depois, em 1987. Dos 500 netos apropriados que calculam as Abuelas, 13 2 casos já foram resolvidos – e a grande maioria a partir das técnicas do Banco. Depois de criado, o órgão passou a receber amostras de sangue dos familiares que procuravam por algum dos filhos dos desaparecidos e até de pessoas que ninguém buscava, mas depois se descobriram netas das Abuelas . BEATRIZ GATTI 'Aparición con vida' foi um dos slogans defendidos pelas Madres e Abuelas de Plaza de Mayo no fim de 1980 Buscar e ser buscado Gerar a dúvida. Essa foi a estratégia que as Abuelas adotaram já nos primeiros anos do BNDG e mantêm até hoje. Havia uma mudança de direção importante no processo de buscas: as crianças apropriadas estavam crescendo e virando adolescentes ou até adultos. Embora as investigações nunca tenham parado, o papel de detetive já não fazia mais sentido e era hora de pensar em maneiras que incentivassem os supostos netos a refletir sobre sua identidade e a buscar sua verdadeira origem. Você sabe quem você é? BEATRIZ GATTI
- Buscarita | Os netos
Os netos Até agora, 132 casos de apropriação de crianças foram resolvidos pelas Abuelas e com o auxílio da CoNaDI e do BNDG Guillermo, Manuel, Tatiana e Claudia são exemplos de apropriados que reencontraram suas famílias após anos de busca – sejam dois ou 29 anos depois Conheça as histórias Conhecer a verdade Parte dos netos encontrados foi localizada pelas Abuelas, enquanto outros acabaram sendo identificados por iniciativa própria, ou seja, eram pessoas que tinham dúvidas sobre a própria origem e foram atrás da resposta para confirmar se eram filhos de desaparecidos da ditadura militar. Independentemente do início deste trajeto, o processo de busca pela identidade é quase sempre acompanhado por intensas sensações e receios. Um resultado negativo do BNDG significa muitas vezes uma porta fechada diante do difícil processo de ir atrás da sua origem. Já uma resposta positiva quanto à análise genética, embora traga a verdade, pode ser também doloroso para quem descobre não ter vínculos biológicos com a família com quem viveu durante toda a vida. Há ainda quem seja contra a existência do Banco (e até das Abuelas) e argumente que as restituições geram novos traumas nas pessoas que já foram crianças traumatizadas. Mas, segundo a psicologia, não existe base para assegurar essa ideia, que surgiu a partir de uma comparação equivocada de uma renomada psicanalista francesa. Ainda desaparecidos Ter 13 2 netos restituídos significa que ainda há cerca de 370 casos por resolver. Quando as Abuelas se organizaram, elas entenderam que a luta teria de ser coletiva para dar frutos – a partir daí, o reencontro com cada neto passou a ser comemorado como se fosse com o próprio. A busca incessante tem seus obstáculos, porém. Altos e baixos permeiam o processo que se estende por décadas até hoje. Mas os familiares de desaparecidos seguem firmes à procura das meninas e meninos apropriados durante a ditadura e que hoje devem ser adultos de 40 a 50 anos de idade. Próxima geração O BNDG vislumbra também uma tecnologia capaz de identificar os bisnetos para acelerar a restituição dos netos. Localizando seus filhos, que são netos dos desaparecidos, automaticamente mais casos de apropriação seriam resolvidos. O método ainda está em vias de desenvolvimento e deve demorar um pouco, mas o papel dos bisnetos vai muito além da extração de amostras de sangue. Sem ter enfrentado o trauma da apropriação pessoalmente, os bisnetos podem apoiar seus pais na busca pela própria identidade e incentivar que eles procurem resolver as questões para as quais não têm as respostas. LEIA MAIS LEIA MAIS LEIA MAIS
- Buscarita | Trajetória das Abuelas de Plaza de Mayo
Trajetória Quem são elas Já desde antes da ditadura militar argentina, que teve seu início em 24 de março de 1976, homens e mulheres desapareciam. Às vezes porque eram militantes que fugiam para não ser pegos, e muitas vezes porque eram sequestrados pela Aliança Anticomunista Argentina (Triple A) ou pelos próprios militares. Com o início da ditadura, rapidamente passaram a ser milhares os pais, tios e tias, irmãos e irmãs e filhos e filhas que não voltavam para casa. Mas, dessa vez, as mães sabiam que eles não estavam se escondendo: tinham sido levados. Movidas pelo amor e pela angústia de não ter informações sobre o paradeiro de seus filhos, muitas mães começaram a ir a delegacias, onde ninguém lhes respondia sobre o que poderia ter acontecido com eles. Iam a hospitais, quartéis, igrejas e tribunais, e ninguém dizia nada. Até esse momento, porém, ainda não estavam organizadas. Foi justamente a partir de encontros recorrentes nesses lugares que elas se conheceram e perceberam que aquela luta não teria frutos se fosse individual: tinham que se unir e atuar coletivamente. Como nenhum órgão público dava respostas sobre seus filhos – e muito menos agia para procurá-los –, as mães passaram a ir à Praça de Maio, em Buenos Aires, onde fica localizada a Casa Rosada, sede do governo nacional. À espera de informações, sentaram-se em frente à estátua de Belgrano, mas logo um policial as obrigou a circular, argumentando que o estado de sítio não permitia que permanecessem ali. Então, cumpriram a ordem e começaram a circular, mas ao redor da estátua. Daquele dia em diante, toda semana se reuniriam para fazer rondas em torno do monumento de bronze. Por isso, se tornaram as Madres de Plaza de Mayo – ou Mães da Praça de Maio –, associação criada em abril de 1977. Em 1º de outubro de 1977, as Madres decidiram se unir à peregrinação católica à cidade de Luján, que reunia milhares de argentinos anualmente. Na ocasião, elas pretendiam divulgar sua luta e, para isso, decidiram criar uma forma que as identificasse em meio à multidão. Algumas sugestões foram dadas até que alguém disse: "E que tal colocarmos uma fralda na cabeça? Todas temos uma fralda de pano dos meninos em casa". Então, cada uma das mães amarrou um lenço branco na cabeça. Elas chegaram a ser confundidas com freiras, mas logo aquelas fraldas de pano se tornariam o maior símbolo da luta das Madres de Plaza de Mayo. A cada quinta-feira – dia escolhido para as rondas –, somavam-se mais mulheres à luta. Até que um dia uma delas se afastou para perguntar às outras se mais alguém estava procurando por uma filha ou nora grávida ou até por algum de seus netos. E uma a uma foram se apresentando. A partir daí, elas se deram conta de que também precisavam buscar os filhos dos filhos e se organizar para isso. Na semana seguinte, em outubro de 1977, um grupo de 12 mulheres se reuniu para definir os primeiros passos da organização cuja luta segue até hoje. Naquele momento autodenominadas Abuelas Argentinas con Nietitos Desaparecidos, logo adotaram o nome dado a elas pela mídia internacional: Abuelas de Plaza de Mayo, cujo slogan era “buscar aos netos sem esquecer dos filhos”. Registro da tomada do poder pelos militares em 1976 (Eduardo Di Baia/Archivo AP) Fila de pessoas em busca de informações sobre desaparecidos (Jorge Sanjurjo/Archivo Crónica) Mães mostram fotos de seus filhos À direita, Raquel Marizcurrena, uma das fundadoras das Abuelas de Plaza de Mayo (Archivo Abuelas) Faixa de Madres e Abuelas em protesto (Archivo de Abuelas de Plaza de Mayo) As rondas das Madres e Abuelas (Archivo General de la Nación) Estela de Carlotto (centro) e Rosa Roisinblit (esquerda) (Archivo de Abuelas de Plaza de Mayo) Madres e Abuelas exigem aparição de filhos e netos com vida (Archivo de Abuelas de Plaza de Mayo) (Archivo de Abuelas de Plaza de Mayo) (Archivo de Abuelas de Plaza de Mayo) “Os militares nos subestimavam por sermos mulheres. Diziam: 'Deixem-nas para lá. Essas loucas vão se cansar'. Isso não aconteceu e não só não paramos de caminhar como construímos todo um espaço de busca.” Estela Barnes de Carlotto presidenta das Abuelas de Plaza de Mayo DANIEL GARCIA/AFP
- Buscarita | História do BNDG
Linha do tempo História do BNDG entre 1976 e 2015 Fonte: "Ciencia x la identidad - Historia viva del Banco Nacional de Datos Genéticos" Arte: Mathias Gatti
- Buscarita | Ainda desaparecidos
Ainda desaparecidos Nélida Navajas, a avó de Miguel, também não chegou a localizar a neta ou neto desaparecido, que hoje em dia deve ter 45 anos. “Cada dia que passa sem frutos da busca é como uma gotinha que cai. Um dia não é nada, dois dias não são nada, nem uma semana. Mas quando começam a se acumular os meses e os anos, isso pesa, é uma carga”, afirma Miguel. “Eu vi a minha avó, que faleceu depois de ter buscado por mais de 35 anos, perder o ânimo.” A busca continua As Abuelas de Plaza de Mayo estimam que, durante a ditadura militar, 500 crianças tenham sido roubadas para serem criadas por outras famílias que não as suas. Destas, 13 2 já foram localizadas – algumas, na verdade, nem nasceram porque houve gestações de mulheres sequestradas que não chegaram ao fim, mas esses casos também são classificados como resolvidos porque se tem informações sobre seu paradeiro. Restam, portanto, pelo menos 368 casos ainda sem resposta. Um deles diz respeito ao casal Cristina Navajas e Julio Santucho. Ambos militavam pelo Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT) e tinham dois filhos, Camilo e Miguel. Mas não sabiam que Cristina estava grávida do terceiro filho quando foi sequestrada em 13 de julho de 1976. Na verdade, ela já suspeitava, mas não deu tempo de confirmar. Depois de um tempo, sua mãe, Nélida Navajas, encontrou uma espécie de diário em que Cristina contava de um atraso na menstruação e dizia que faria um teste de gravidez. Segundo relatos de sobreviventes de centros de detenção pelos quais Cristina passou, ela de fato teve uma gestação e não estava mais grávida quando foi levada ao traslado final – termo que significava a morte –, em 1977. Julio e Nélida, então, como pai e avó, tinham mais uma pessoa para buscar: o filho ou a filha do casal. Quem me conta essa história é Miguel Santucho, segundo filho de Cristina e Julio, que busca o irmão ou irmã e atualmente trabalha na Casa por la Identidad, centro cultural das Abuelas de Plaza de Mayo que funciona em um dos edifícios do antigo centro de detenção ESMA. Foi aos 10 anos que Miguel começou a entender a trajetória de luta de sua família e as consequências do roubo institucionalizado de crianças durante a ditadura. E ele garante que as emoções ao longo de quatro décadas de busca variaram muito. Quando criança, eram pensamentos pontuais e mais fantasiosos. “Nos aniversários e Natais, pensávamos o que meu irmão estaria fazendo, como seria… por um tempo eu desejei poder compartilhar as coisas com ele, guardava meus brinquedos na esperança de algum dia poder brincar com ele”, diz Miguel. Já na adolescência, os pensamentos eram mais constantes. Quando começaram a aparecer os primeiros netos, Miguel se agarrava à sensação ambígua de estar feliz por outras famílias ao mesmo tempo em que lamentava a cada restituição que não fosse de seu irmão ou irmã. “Isso me refrescava a dor”, conta. Quando adulto, o trabalho das Abuelas o ajudou a ver o processo com mais tranquilidade e amplitude. “Comecei a entender que a busca não poderia ser individual, porque não seria frutífera. A busca é coletiva, então estamos procurando todos os irmãos simultaneamente”, diz Miguel. Uma sala de partos. É assim que Lorena Battistiol Colayago define a sede das Abuelas de Plaza de Mayo. “Você está há 45 anos em uma sala de partos até que dizem: ‘nasceu’. E, então, se questiona: ‘é menino ou menina? Se parece mais com a mãe ou com o pai?’. Essas perguntas típicas de quando nasce um bebê são as que fazemos quando temos a notícia de um resultado positivo”, descreve ela. Ao longo de 20 anos de trabalho na instituição das Abuelas de Plaza de Mayo, Lorena presenciou muitos reencontros entre famílias e pessoas que recuperaram sua identidade. Mas ainda não recebeu a notícia pela qual espera desde que começou a se envolver com o tema da memória, verdade e justiça. Assim como Miguel, Lorena procura por um irmão ou irmã que deve ter nascido durante o cativeiro de sua mãe entre novembro e dezembro de 1977. Lorena conheceu o trabalho das Abuelas por causa de sua avó María Ángela Lescano. A Negrita, como era conhecida, denunciou às Abuelas o desaparecimento de sua filha, Juana Colayago, em 1978. A jovem de 26 anos estava grávida de seis meses quando foi sequestrada junto a seu companheiro Egidio Battistiol na zona norte de Buenos Aires. Ela passou a se envolver na luta das Abuelas aos 25 anos, depois que voltou à cidade natal da mãe e teve um “clique” de que seria útil na busca dos apropriados. “Eu fui até as Abuelas e disse que estava à disposição para o que elas precisassem”, conta Lorena, que hoje é diretora nacional de espaços de memória da Argentina. Depois, o que era disposição se transformou em trabalho do dia a dia, que durou duas décadas, até que foi convidada a trabalhar na Secretaria de Direitos Humanos, que também funciona na antiga ESMA. Atualmente, Lorena garante estar mais ponderada em relação à busca. Mas já imaginou de diferentes maneiras o momento em que lhe contam que seu irmão ou irmã foi encontrado. “Desde que tive meus filhos, sempre penso que no dia em que me avisarem, vou buscá-los para podermos ir à casa das Abuelas”, compartilha. Ao lado da irmã Flavia, ela permanece firme na tarefa de buscar o terceiro neto que a avó Negrita não conseguiu encontrar antes de falecer, em agosto de 2020. A busca pelo irmão é agora como uma missão deixada por Nélida a Miguel. “Claro que é difícil, mas por isso temos um grupo que se apoia, somos uma grande família nas Abuelas, já conhecemos quais podem ser as dificuldades de cada um, e é isso o que me permite dar esse relato hoje de forma habitual”, diz o filho de Cristina e Julio. “Sinto que ocupo um lugar que me permite transformar uma experiência tão terrível quanto o terrorismo de Estado e os sequestros da minha mãe e meu irmão em uma mensagem para passar adiante. É o que também me ajuda a enfrentar isso”, conclui. Julio Santucho e Cristina Navajas junto ao filho Camilo e Nélida Navajas Egidio Battistiol e Juana Colayago com a primeira filha do casal, Flavia Nélida Navajas buscou seu neto ou neta até o fim da vida, durante a qual se dedicou muito à luta das Abuelas María Ángela Lascano, a Negrita, morreu em agosto de 2020 antes de encontrar seu neto ou sua neta To play, press and hold the enter key. To stop, release the enter key. ARCHIVO ABUELAS ABUELAS/REPRODUÇÃO ABUELAs.ORG.AR ABUELAs.ORG.AR
- Termos e Condições | Moray Dive School
Termos e Condições Os Termos e Condições (“Termos”) são um conjunto de termos jurídicos definidos pelo proprietário de um site. Eles estabelecem os termos e condições que regulam as atividades dos visitantes e o relacionamento entre os visitantes e o proprietário do site. Os termos devem ser estabelecidos de acordo com as necessidades específicas e a natureza de cada site. Por exemplo, um site que oferece produtos a clientes envolvendo transações de comércio eletrônico precisa ter termos que sejam diferentes dos termos de um site que oferece somente informações. Os termos dão ao proprietário do site a capacidade de se proteger em caso de uma possível exposição jurídica. Em geral, o que é preciso abordar nos Termos e Condições? Quem pode usar o site; quais são os requisitos para criar uma conta (se for relevante) Termos comerciais importantes oferecidos aos clientes Métodos de pagamento (Cartões de crédito/débito, PayPal, Boleto bancário, etc.) Salvaguarda do direito de modificar a oferta Garantias e responsabilidade por serviços e produtos Titularidade de propriedade intelectual, direitos autorais e logos Direito de suspender ou cancelar contas de membros Indenização Limitação de responsabilidade Direito de alterar e modificar os Termos Direito aplicável e resolução de demandas Informações de contato Confira este artigo de suporte para saber mais sobre como criar uma página de Termos e Condições. As explicações e informações fornecidas aqui são apenas exemplos gerais. Não confie neste artigo como orientação jurídica ou como recomendações sobre o que você realmente deve fazer. Recomendamos que você busque orientação jurídica se precisar de ajuda para entender e criar seus Termos.
- Buscarita | As 'apropriações'
As 'apropriações' O que fizeram com os filhos dos desaparecidos? É sua primeira vez aqui. Por isso, tudo é novo: os cheiros, os sons, as luzes. Em poucos segundos, saiu de seu maior conforto para experimentar todos os sentidos possíveis. Sem caminho de volta, veio ao mundo. E agora? Apropriação como parte do plano Os bebês nascidos em cativeiro durante a ditadura militar na Argentina (1976-1983) foram privados de sua liberdade desde o parto. Foram retirados dos braços das mães, às quais se dizia que logo seriam devolvidos a elas ou levados aos cuidados de suas famílias. Isso aconteceu raras vezes. “A norma era outra. Após parirem sob condições subumanas, as mães eram transferidas [para a execução] e as crianças eram apropriadas ou inseridas em um circuito, que costumo denominar jurídico-burocrático, composto por creches, tribunais e equipes particulares de adoção”, diz Carla Villalta, coordenadora da equipe de Antropologia Política e Jurídica da Universidade de Buenos Aires (UBA). O que significa ser apropriado? Apropiación é um termo em espanhol cunhado pela equipe de advogados das Abuelas de Plaza de Mayo para definir o processo de roubo de filhos de desaparecidos que foram retirados de suas famílias e entregues a outras pessoas. Neste site, os neologismos em português “apropriação”, “apropriado” e “apropriar” referem-se aos conceitos de apropiación , apropiado e apropiar . Conceitualmente, a apropriação restringe-se ao período histórico da ditadura na Argentina, ou seja, entre 1976 e 1983. “Basicamente está ligada à ideia de perpetuar o desaparecimento dos pais, limpar todos os rastros, substituir a identidade e apagar a origem”, explica a pesquisadora da UBA. Nos centros clandestinos, mantinha-se propositalmente as gestações como parte do Processo de Reorganização Nacional, pelo qual os militares pretendiam exterminar os subversivos. Segundo o discurso que dominava entre as forças armadas, uma educação correta poderia impedir que os filhos dos desaparecidos também propagassem a subversão. Seria como cortar o mal pela raiz poupando a vida das crianças, embora muitas delas tenham sido assassinadas em ataques militares junto a seus pais. Além de roubar os nascidos em cativeiro, as apropriações incluíam como alvo as crianças pequenas que ficaram sozinhas após a execução dos pais ou até as que também foram levadas aos centros de detenção. “Os apropriadores na Argentina pegavam os filhos de quem eles mesmos haviam assassinado, com a ideia de oferecer uma criação que os convertesse em ‘argentinos de fato e de direitos’”, afirma Armando Kletnicki, psicanalista e chefe de trabalho da Cátedra de Psicologia, Ética e Direitos Humanos da UBA. CHRIS DEVERS/FLICKR Infância sob amarras Acomodo-me em uma poltrona e procuro por Claudia. Ela está no balcão do café já buscando seu pedido e, em poucos minutos, me vê e vem a meu encontro. Ela carrega uma bandeja com um pedaço de bolo e um suco de laranja, além da sutil gentileza de trazer consigo dois copos. Me oferece o suco, eu agradeço, mas digo que não quero. Estou um pouco nervosa, porque ela é a primeira apropriada com quem eu falo. E é um tema delicado. Sugiro que comecemos e ajusto a câmera no tripé e o microfone em cima da mesa. Claudia para de comer o bolo e junta suas mãos sobre os joelhos. Ajeita a postura, e também parece um pouco apreensiva, mas mais pela presença da câmera do que pela minha. Peço a ela que se apresente e faço as primeiras perguntas. Estamos nos conhecendo ali, aos poucos, apesar de estarmos falando muito mais dela do que de mim. E eu já conheço boa parte de sua história. Mas agora é diferente; é Claudia quem me conta as coisas que viveu. É ela quem conta que foi apropriada por um tenente-coronel e sua esposa quando tinha oito meses de idade, em novembro de 1978, embora não se lembre. Viveu toda sua infância sob os cuidados de um membro da inteligência do Exército e durante a ditadura que havia sequestrado e desaparecido com seus pais, Pepe e Gertrudis. É Claudia quem conta que, aos oito meses, foi levada ao centro clandestino Olimpo, a oeste da cidade de Buenos Aires, onde um médico cardiologista falsificou sua certidão de nascimento e, junto a um policial, a entregou a seus apropriadores. Quando pergunto sobre sua criação, ela a caracteriza como ‘estranha’. O tenente-coronel e sua esposa criaram Claudia como filha única em um domo de superproteção – e mentiras. Balançando a cabeça como quem lamenta uma lembrança, ela conta que ouvia em casa que os militares travavam uma guerra contra os subversivos, que queriam impor o comunismo na Argentina. O discurso do militar a quem ela chamava de pai era de que eles haviam salvado o país e agora os subversivos e as “loucas da Praça de Maio” tentavam se vingar. Sempre com uma expressão tranquila – e uma voz que às vezes se eleva somente para se sobrepor aos barulhos do café em que estamos –, Claudia fala sobre seus medos de criança. Perder sua suposta família e acabar sozinha, já que seus apropriadores tinham em torno de 50 anos quando a levaram consigo ainda bebê. Para ela, o que sustentou sua apropriação por tanto tempo – e certamente continua a manter tantas outras por aí – foi a criação de um vínculo de dependência emocional quase inabalável junto aos apropriadores: o medo de perdê-los, decepcioná-los e deixá-los. E, por mais que eu já tivesse lido sobre isso, ouvir diretamente de quem viveu esse fardo na pele é sentir mais de perto os danos que o plano sistemático de apropriação causou em uma geração de argentinos. Eu tinha cinco meses quando uma operação realizada na casa em que vivíamos matou minha mãe e uma família com duas crianças de três e cinco anos. Minha mãe havia me posto em um armário no quarto e foi isso que me protegeu um pouco dos gases e me salvou das balas. Depois de quatro meses no hospital com custódia policial, o juiz de menores, que sabia de tudo desde o início, me entrega a uma família que ele conhecia. Durante todo esse tempo nada foi feito para buscar minha família biológica. Manuel Gonçalves Granada Neto de número 57 restituído pelas Abuelas de Plaza de Mayo A adoção fraudulenta usada como método Não só médicos e militares participaram da execução do plano de roubo de meninos e meninas na Argentina. O processo teve o consentimento de juízes e escrivães de cartórios civis que davam prosseguimento a processos ilegais de adoção, falsificavam registros de nascimento ou simplesmente faziam vista grossa à inconsistência de dados e documentos. Ou seja, em muitos casos era possível suspeitar da origem daquela criança em processo de adoção, mas havia conivência jurídica com o plano dos militares. Segundo as Abuelas de Plaza de Mayo, que receberam cerca de 500 denúncias de casos de apropriação, houve quatro formas de roubo. Muitas crianças foram apropriadas pelos envolvidos ou responsáveis pelo desaparecimento ou morte dos próprios pais ou por cúmplices que atuaram no plano de apropriação. Pessoas que conheciam a origem da criança, mesmo sem estar envolvidas na execução prática dos crimes, também registraram meninas e meninos como filhos próprios a partir da falsificação de nomes e datas de nascimento. E existiram ainda muitos casos de adoção, nos quais nem sempre foi possível confirmar o quanto os pais adotivos sabiam ou tinham condições de suspeitar da origem das crianças. Há os casos de adoções de boa fé, em que a família não escondeu o que sabia dos filhos adotivos e colaborou com as investigações das Abuelas, que procuravam pelos seus netos. Mas mesmo assim o processo é considerado fraudulento; afinal, ninguém encaminhou aquelas crianças para adoção. Elas foram forçadas a enfrentar uma condição que não as contemplava. A grande diferença é que essas crianças foram restituídas às suas verdadeiras identidades tão logo se soube quem eram, como é o caso de Tatiana e Laura Sfiligoy , as primeiras netas restituídas pelas Abuelas de Plaza de Mayo. Abuelas de Plaza de Mayo e alguns dos netos já recuperados reunidos na sede da associação, incluindo Laura (à esq. do centro da foto, em frente à mesa) e Tatiana Sfiligoy (atrás da menina de branco, na lateral da mesa) ARCHIVO ABUELAS Mecanismos de defesa Para a psicanalista María Elena Domínguez, que atua no Centro de Atenção Psicológica pelo Direito à Identidade, a apropriação está relacionada a forçar papéis e funções parentais que não existem. “O que o apropriador tenta é criar um laço em que considera a criança um objeto, um objeto de seu discurso”, diz ela, que também participa da Cátedra de Psicologia, Ética e Direitos Humanos da UBA. Os efeitos de uma infância apropriada variam de caso a caso. Um deles pode ser a dificuldade de verbalizar e expressar sensações e angústias de um momento traumático. Uma criança pequena que presenciou a execução ou sequestro dos pais e não domina a comunicação verbal vai registrar aquele episódio de alguma forma. “Considerando que as memórias se constroem a partir de uma lógica entre pensamentos e palavras, algo que aconteceu muito precocemente na vida de quem ainda não domina a linguagem fica como uma marca, mas como se fosse uma marca direta no corpo mesmo”, explica o chefe da Cátedra, Armando Kletnicki. Para lidar com episódios traumáticos, dois mecanismos de defesa muito comuns observados na psicologia são o esquecimento e a negação. Domínguez cita o caso de Paula Eva Logares, que foi a primeira neta recuperada com a ajuda da ciência. Os apropriadores da criança a registraram como filha própria e recém-nascida, embora ela já tivesse quase dois anos de idade. “Para viver com os apropriadores, essa menina teve que esquecer aqueles 23 meses vividos até ali. Então, há algo nesse esquecimento que vai contra a imposição de uma outra realidade”, afirma a psicanalista. Já a negação pode aparecer de maneira sintomática no futuro, apesar de também ser um método de se proteger diante de traumas. Se um adolescente ou jovem criado e formado por um grupo familiar começa a ser confrontado por provas irrefutáveis de que aquela não é sua família biológica e, pior ainda, que aqueles que o criaram fizeram parte do grupo de repressores que podem ser os assassinos de seus pais biológicos, a primeira opção não é aceitar essas informações. “Se eu tenho duas representações que colidem, eu preciso negar uma para sobreviver. Então, rejeito o que está sendo dito”, afirma Kletnicki. O tempo não se devolve Até que se descubra a verdade a respeito da própria origem, o crime sobre os apropriados continua sendo cometido. A cada dia que se escolhe continuar mentindo para uma criança sobre sua história, os efeitos de uma infância apropriada se expandem, afirmam os psicólogos. “Eles escolheram sustentar isso durante 21 anos da minha vida, dizendo que me amavam, mas, na verdade, protegendo a si mesmos de uma decisão que haviam tomado conscientemente aos 50 anos de idade”. Essa é Claudia Victoria Poblete Hlaczik, neta de número 64 restituída pelas Abuelas de Plaza de Mayo. Além dela, as Abuelas contam até agora 131 casos resolvidos. Isto é, 132 histórias de gestações e crianças que haviam sido escondidas da sociedade e das famílias dos desaparecidos e foram descobertas e encontradas. Restituir é devolver algo ao lugar de onde se tirou e reparar os danos que isso pode ter causado, define Armando Kletnicki. Se alguém rouba um carro e bate com ele, por exemplo, a restituição seria devolver o carro após feitos os consertos de uma batida. Mas como isso seria feito com uma pessoa que teve mais do que bens materiais roubados, teve sua própria história de vida apropriada? “Com as pessoas, não há maneira de voltar atrás como se fossem um objeto que você deixa em um mecânico, arrumam e te devolvem”, diz o psicólogo. “O tempo não se devolve, nem os processos que o tempo formou. Não é possível haver crescido com determinadas experiências e apagar isso e começar de novo do lugar onde deveria ter estado.” Neste site, os termos em português “restituição”, “restituído” e “restituir” referem-se ao conceito de restituición de identidad usado pelas Abuelas de Plaza de Mayo. O psicanalista também se questiona sobre o número de netos ainda não encontrados, que são cerca de 370. O que isso pode dizer em relação às apropriações? Que elas tiveram êxito? Como se em alguns casos, mesmo que sob um contexto de mentiras, crianças tenham sido capazes de se construir como sujeito, e hoje pessoas adultas tenham convicção de que não querem explorar seu passado. Ou seria justamente ao contrário? Como se os adultos de hoje não tenham conseguido se desenvolver suficientemente para chegar a perguntar-se quem são. “Isso seria fruto de uma lógica de criação que os condenou a ser objetos do outro. Mas não temos essa resposta”, afirma Kletnicki. Paula Eva Logares junto à sua avó Elsa Pavón ABUELAS DE PLAZA DE MAYO/Fotografías de años en lucha
- Buscarita | O Banco de Dados Genéticos
Banco Nacional de Dados Genéticos Criado em 1987, o Banco Nacional de Dados Genéticos (BNDG) tornou-se a principal ferramenta da luta das Abuelas de Plaza de Mayo para encontrar os netos apropriados pela ditadura militar. O órgão hoje incorporado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação Produtiva da Argentina funcionava inicialmente sob a jurisdição de um hospital de Buenos Aires e utilizava métodos que avaliavam o produto dos genes, e não o DNA em si. Quando o BNDG foi criado, os estudos sobre o DNA ainda eram incipientes, e o Banco incorporou as novas tecnologias conforme elas foram desenvolvidas. A revolução genética produzida pelos cientistas foi criar um método inédito capaz de confirmar vínculos biológicos entre crianças e avós sem a presença dos pais, que estavam desaparecidos: esse era o índice de abuelidad , que foi o primeiro passo para a posterior sedimentação das análises em um banco de dados. Hoje, os geneticistas processam o perfil genético completo de cada amostra que entra no Banco, o que inclui informações sobre o DNA nuclear, DNA mitocondrial e cromossomos sexuais. O objetivo é chegar nos 99,99% de compatibilidade entre as amostras de sangue de pessoas das quais se suspeita que possam ser algum dos netos e dos grupos familiares que têm seus dados cadastrados no Banco. Dezenas de identidades foram recuperadas graças ao trabalho dos cientistas e das Abuelas, que impulsionaram o desenvolvimento de um órgão desse tipo, até hoje inédito em todo o mundo. Argentina na época Nem quatro anos após o fim da ditadura foram necessários até que se criasse o BNDG. Geneticistas, representantes das Abuelas e antropólogos reconhecem a rapidez do processo, que já tinha todos os ingredientes para se consolidar. Esta série de vídeos explica o contexto da criação do Banco. LEIA MAIS A ciência por trás O trabalho do Banco, capaz de mudar a vida das pessoas ao apresentá-las à sua verdade, é sustentado por pesquisadores e geneticistas experientes, que acompanharam estudos genéticos internacionais para aprimorar as técnicas utilizadas nas análises. A expectativa agora é encontrar o neto de número 133. LEIA MAIS Como chegar até o banco Entrevistas, análise de documentação, solicitações judiciais e investigações são alguns dos passos anteriores à realização dos testes genéticos no BNDG, que é a última etapa para confirmar ou descartar o vínculo de uma pessoa com famílias de desaparecidos durante a ditadura. LEIA MAIS VEJA O HISTÓRICO Linha do tempo BNDG
- Buscarita | Em busca dos 99,99%
Em busca dos 99,99% Notícia de jornal Raquel procurava nos jornais todos os dias alguma possível informação sobre seu filho e sua nora, que esperavam um bebê quando foram sequestrados pelos militares. Em uma manhã de 1979, uma notícia chamou sua atenção. Mas não trazia exatamente pistas: tratava da história de um homem que negava ser pai de uma criança e foi submetido a um exame de sangue que acabou por confirmar sua paternidade. Raquel, então, deu um pulo da cadeira, como quem tem uma grande ideia, e foi correndo ao encontro das outras avós. Começava ali a jornada que revolucionaria as buscas feitas pelas Abuelas de Plaza de Mayo . A notícia de jornal inspirou as Abuelas a recorrerem à ciência para perguntar se era possível identificar netas e netos a partir de seu sangue. Elas pensaram que talvez os cientistas pudessem aproveitar a tecnologia usada na época nos exames de paternidade para confirmar parentesco com crianças com pais desaparecidos. O envolvimento dos cientistas Em alguns anos, após incontáveis viagens pelo mundo para buscar apoio internacional, as Abuelas procuraram o geneticista argentino Victor Penchaszadeh, na época exilado em Nova York, que as colocou em contato com outros cientistas. Posteriormente, se formaria um grupo de especialistas dedicados a responder ao questionamento daquelas avós que procuravam por seus netos. Depois de reuniões e mais reuniões – incluindo parte do simpósio anual da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS) de 1984 –, as avós receberam a resposta que tanto queriam. Sim, era possível confirmar parentesco com possíveis netos só a partir do sangue delas e de outros familiares que estivessem vivos. “Então, estava criado o índice de abuelidad , que foi capaz de estabelecer as chances de que a compatibilidade entre marcadores genéticos de uma criança e dos supostos avós fosse efetivamente definida por relação de parentesco, e não simplesmente por casualidade ou azar”, explica Victor Penchaszadeh. Estela de Carlotto , presidenta das Abuelas de Plaza de Mayo, e Victor Penchaszadeh , geneticista que ajudou as avós no desenvolvimento do índice de abuelidad I. Antígenos de histocompatibilidade Baseados no que já se tinha a partir dos exames de paternidade, os primeiros estudos do índice de abuelidad se debruçaram sobre tipos sanguíneos e os chamados antígenos de histocompatibilidade (HLA, na sigla em inglês). O DNA ainda não era analisado diretamente, então restava aos cientistas observar o produto de sua expressão. “Grupos sanguíneos e antígenos de histocompatibilidade são produzidos por genes, que são a forma como está organizado o DNA. Ou seja, é uma maneira de estudar os genes a partir de seus produtos”, esclarece Victor Penchaszadeh. Analisar o tipo de sangue ajuda a excluir vínculos, mas não a confirmá-los. Por exemplo, se uma pessoa é do grupo AB e um suposto progenitor é do grupo O, pode-se excluir a possibilidade de parentesco. A chance do vínculo biológico existe somente se o suposto progenitor tiver o tipo A, B ou AB, mas isso também não é suficiente para afirmar que ele seja o pai ou a mãe da pessoa, já que o sistema sanguíneo ABO tem uma variabilidade genética limitada. Ou seja, muita gente tem tipos sanguíneos compatíveis mesmo sem qualquer parentesco. “Então, como você vai distinguir uma pessoa da outra por uma análise que é um pouco diferenciativa?”, questiona o médico argentino. Os antígenos de histocompatibilidade, por sua vez, proporcionam maior precisão nas análises por serem moléculas com milhares de variantes. Importantes para identificar partículas estranhas ao corpo, os HLA são moléculas proteicas fundamentais no transplante de órgãos. São eles que ajudam os médicos a prever as chances de que o organismo do receptor aceite ou rejeite o órgão transplantado. No caso da busca das Abuelas, a variabilidade dos HLA tornava mais difícil a ocorrência de falsos positivos. Isso significa que, diferentemente da análise a partir de tipos sanguíneos, era menos provável que duas pessoas sem parentesco tivessem marcadores de HLA muito semelhantes. Hospital Durand O índice de abuelidad , apesar de funcionar bem na teoria, ainda enfrentava obstáculos para ser executado. O principal desafio era a necessidade de ter amostras de sangue fresco para as análises, o que precisaria ser feito por um laboratório especializado. Foi então que, dos Estados Unidos, o imunogeneticista chileno Pablo Rubinstein informou às Abuelas que o Hospital Durand, em Buenos Aires, dispunha de um laboratório moderno e equipado para dar prosseguimento aos testes genéticos do índice de abuelidad. Sob a chefia de Ana María Di Lonardo, foi no departamento de imunologia do hospital que funcionou a primeira sede do Banco Nacional de Dados Genéticos. A primeira neta recuperada com a ajuda da ciência Paula Eva Logares tinha quase dois anos quando foi sequestrada junto a seus pais Mónica e Claudio, em 1978. Depois de ter sido localizada na casa do então subcomissário da polícia de Buenos Aires, uma denúncia foi documentada em um juizado federal no primeiro dia da volta da democracia, em 10 de dezembro de 1983. A justiça autorizou que se extraísse uma amostra de sangue de Paula para compará-la com as de sua avó e tios maternos e avós paternos. Após resultados positivos da análise, a Corte Suprema de Justiça argentina ordenou em 1984 que Paula voltasse a viver com seus avós. Quando retornou à casa onde vivia, Paula foi até a porta do quarto que havia sido seu, olhou para a cama e perguntou: “Onde está meu ursinho de pelúcia?”. Testar além de uma família As análises seguintes à de Paula Logares também foram feitas de forma individual, ou seja, uma família suspeitava que determinada criança fosse um neto apropriado, fazia uma denúncia e abria-se o processo que poderia levar aos testes genéticos. Mas, com o passar do tempo, as Abuelas e os cientistas foram percebendo que isso gerava perda de informação e de tempo. Faltava um banco onde se pudesse depositar as informações genéticas das então mais de 300 famílias que buscavam netos. Dessa forma, quando um suposto neto desse seu sangue para a análise, seria possível compará-lo não apenas com o de uma avó ou parente, mas de todos os grupos familiares que tivessem deixado suas amostras no banco. Assim criava-se o Banco Nacional de Dados Genéticos. Ou seja, antes mesmo da criação do Banco Nacional de Dados Genéticos (BNDG), que ocorreu só em 1987, o índice de abuelidad já estava sendo utilizado para restituir identidades e recuperar netas e netos apropriados. A tecnologia responsável por confirmar essas relações de parentesco foi acompanhando os estudos genéticos mundiais, que naquela época ainda eram incipientes no campo das moléculas de DNA. REDBIOÉTICA/REPRODUÇÃO II. DNA nuclear Quando um espermatozóide fecunda um óvulo, o núcleo do zigoto é constituído 50% pelo DNA do homem e 50% pelo da mulher. Como os genes do homem e da mulher também são constituídos meio a meio pelas informações genéticas de seus respectivos progenitores, o DNA nuclear do novo embrião é formado por ¼ de genes de cada um de seus avós. Isso significa que os milhares de genes que uma pessoa carrega têm em sua composição dados de seus ascendentes. Com os avanços dos estudos sobre o DNA, a grande novidade do Banco no início dos anos 90 foi incorporar a tecnologia capaz de analisar diretamente esses genes. Assim, os testes ganhavam maior precisão, já que era possível escolher os segmentos genéticos com mais variabilidade entre a população. “É muito mais exato, mas não porque os marcadores de histocompatibilidade fossem ruins, e sim porque a evolução da ciência fez com que tivéssemos técnicas e ferramentas muito melhores”, diz Florencia Gagliardi, cientista do BNDG há 31 anos. Essas análises eram e ainda são baseadas em fórmulas estatísticas que consideram a frequência do segmento analisado na população argentina. Isso é importante justamente para calcular a probabilidade de que uma semelhança genética seja por casualidade ou de fato por vínculo biológico. III. DNA mitocondrial Gagliardi conta que o BNDG registra o perfil genético completo de cada uma das amostras de sangue que chegam, o que significa que, além do DNA nuclear, os cientistas fazem análises sobre o DNA mitocondrial e os cromossomos sexuais. Isso aumenta os parâmetros para que um parentesco seja confirmado e se alcance os 99,99% de chance de que uma pessoa seja neta de uma das Abuelas de Plaza de Mayo. O DNA mitocondrial foi especialmente revolucionário para os trabalhos do Banco principalmente por ser um genoma exclusivo da linha materna de um indivíduo. Enquanto um espermatozoide vai transmitir apenas seu núcleo ao embrião – por sua constituição ser praticamente puro núcleo –, o óvulo tem um citoplasma, que contém elementos nutritivos e as organelas. Dentre elas estão as mitocôndrias, responsáveis principalmente pela respiração celular e que contêm um genoma próprio. Embora também sofra divisões e até mutações, o DNA mitocondrial se mantém como um bom marcador para traçar a linhagem materna das espécies, incluindo a humana. Avós, tios, primos e irmãos por parte de mãe herdam esse genoma praticamente idêntico a cada geração, independentemente de serem homens ou mulheres. Mesmo que esteja em condições inadequadas ou em pouca quantidade , o DNA mitocondrial apresenta alta sensibilidade para ser analisado. Por isso, o vínculo biológico pode ser descartado entre dois supostos parentes maternos cujo material genético das mitocôndrias apresente diferenças. Atualmente coordenada por Florencia Gagliardi, a área de DNA mitocondrial foi incorporada ao BNDG a partir de 1992 pela cientista norte-americana Mary Claire-King. “Se eu fosse uma pessoa religiosa, estaria convencida de que Deus fez o DNA mitocondrial especificamente para que as Abuelas de Plaza de Mayo o usassem”, disse a geneticista ao jornal Perfil em agosto de 2014. IV. Cromossomos sexuais Se restarem dúvidas na análise mesmo após a comparação entre o DNA nuclear e mitocondrial – ou se não houver amostras de sangue daqueles que seriam os parentes maternos –, os cientistas podem recorrer ainda aos cromossomos sexuais, que podem ser XX ou XY em uma pessoa. Todas as Abuelas de Plaza de Mayo carregam o par XX e só podem ter repassado aos filhos o cromossomo X. Já os maridos delas, por carregarem o par XY, podem ter transmitido adiante tanto o cromossomo X quanto o Y. Portanto, uma neta apropriada que tem dois cromossomos X pode ter recebido um deles tanto de sua avó quanto de seu avô maternos enquanto o outro só pode ter vindo de sua avó paterna. Já um neto apropriado tem o mesmo cromossomo Y de seu pai, do pai de seu pai, do avô paterno de seu pai, e assim sucessivamente. Esse método é utilizado caso seja necessário comparar segmentos específicos diante da disponibilidade das amostras de parentes disponíveis no Banco. “Se possível, o grupo de antropologia forense do Banco exuma a pessoa, pega a amostra e, assim, vamos completando as árvores genealógicas”, afirma. O BNDG conta com uma equipe de antropólogas forenses que analisam o local e as condições em que a pessoa foi enterrada antes de exumá-la e coletar dados. “Aqui, a amostra é analisada por um grupo de especialistas em análises de restos ósseos e material de baixa quantidade de DNA”, acrescenta Gagliardi. Como milhares de desaparecidos foram mortos e enterrados sem o conhecimento de suas famílias ou até sem a própria identificação, localizar os corpos de familiares “faltantes” no banco de dados genéticos é um desafio. É com isso que trabalha a Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF), ONG dedicada a identificar os desaparecidos durante a ditadura a partir de exumações. No caso em que a EAAF confirma a identificação do corpo de uma mãe ou pai de um dos netos buscados pelo Banco, as informações são compartilhadas com os cientistas do BNDG. “Se identificarem uma mulher e descobrirem que ela morreu quando estava grávida, ou seja, que o bebê nunca chegou a nascer, então o caso é dado como encerrado, porque a busca pelo neto foi resolvida”, diz Gagliardi sobre como o trabalho do EAAF ajuda o Banco. Dos 13 2 casos considerados resolvidos pelas Abuelas de Plaza de Mayo, 13 foram gestações que não chegaram ao fim, seja porque as mães perderam seus bebês no período em que estiveram sequestradas, seja porque foram mortas antes de darem à luz. A ciência ajuda as Abuelas. Busca a maneira, cria cálculos estatísticos para ajudá-las. Isso é algo inédito no mundo, porque geralmente há avanços científicos e as pessoas dizem 'olha, isso pode nos servir'. Aqui, aconteceu o contrário: elas se aproximaram dos cientistas, e os cientistas fizeram com que a ciência as ajudasse.” Florencia Gagliardi , chefe da área de DNA mitocondrial e geneticista do BNDG há 31 anos Antropologia forense Quanto mais familiares de um grupo estiverem cadastrados no BNDG, mais chances eles têm de encontrar um neto a cada vez que informações de uma nova pessoa forem inseridas. “Se o neto procurado por esse grupo vier ao Banco, é estatisticamente muito provável que o identifiquemos facilmente”, afirma Florencia Gagliardi. Mas há muitos casos em que o grupo familiar está dizimado e poucos parentes deixaram suas amostras no Banco, o que dificulta o potencial matemático de identificação. “Então, tratamos de buscar se existe a possibilidade de agregar novos marcadores ao Banco”, conta a responsável pela área de DNA mitocondrial. Os cientistas criam simulações que informam quais familiares poderiam aumentar esse poder estatístico e tentam colher os respectivos dados genéticos inclusive de pessoas já falecidas. Durante a ditadura, milhares foram enterrados como NN (não nomeados). Na foto, Madre da Plaza de Mayo observa o resultado de exumações em um cemitério de Santa Fé ROBERTO PERA/EAAF/REPRODUÇÃO