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- Buscarita | Conhecer a verdade
Conhecer a verdade Em determinado momento, eu disse ao juiz: “Posso me recusar a fazer o teste?”. Ele respondeu que eu poderia, mas disse que só assim seria possível confirmar se eu era a prova de um delito. E eu, como suspeitava da minha verdadeira origem, vi uma oportunidade de buscar respostas. Ter a determinação do juiz também me libertava um pouco da responsabilidade de decidir fazer aquele teste, que poderia acabar incriminando meus apropriadores. Tomar essa decisão sozinha tendo um forte vínculo com quem me criou teria sido muito difícil. As restituições das crianças roubadas durante a ditadura foram muito importantes para provar que os centros de detenção clandestinos existiram, que de fato mulheres grávidas foram sequestradas pelos militares e tiveram seus bebês roubados e que parte do sistema judicial e alguns médicos atuaram como cúmplices, falsificando documentos. É um resultado que revela uma série de mentiras. Mas eu já estive nessa posição e sei que a primeira reação é dizer não, é negar aquela ideia absurda de que você não é filha ou filho de quem te criou por toda a vida. É muito forte pensar que o seu corpo pode ser a prova de um crime, sentir-se mais como uma coisa do que como uma pessoa. Os resultados que tivemos até agora, no entanto, têm mostrado que vale a pena, por mais difícil que pareça. O incômodo inicial da resposta positiva vai desaparecendo, porque, por mais que o resultado bagunce a sua vida, é uma bagunça baseada na verdade. Só assim é possível tomar decisões reais e suas. Eu estive 18 anos mantendo vínculos com meus apropriadores e ninguém me disse nada. Mas, sem saber a verdade, essa não era uma decisão minha, pois continuei por todo esse tempo no lugar em que me colocaram. Eu não cheguei aos 40 anos de idade com incertezas, mas ainda hoje há pessoas já com seus 45 anos, vendo seus filhos crescerem e sem saber sua verdadeira origem. Eu entendo que é difícil e que o que há do outro lado é uma história triste, mas é a sua. A liberdade só vem quando você descobre a verdade, por mais dura que ela seja. Nós temos o direito de saber quem somos, assim como os familiares dos desaparecidos têm o direito de saber o que aconteceu com seus filhos. E é dever do Estado investigar e resolver parte do dano causado por ele, porque muitas pessoas têm documentos públicos e oficiais com informações falsas. O que revitimiza apropriados não é o encontro com a verdade, mas a continuidade do processo violento em que ainda vivem cerca de 370 pessoas. Texto baseado nos depoimentos dos netos restituídos Claudia Poblete Hlaczik, Guillermo Amarilla Molfino, Manuel Gonçalves Granada e Tatiana Sfiligoy Direito à intimidade Tirar sangue para fazer análises genéticas traz uma discussão ética e legal que confronta dois direitos fundamentais: o direito à identidade e o direito à intimidade. “A justiça decidiu que o direito à resolução de um crime contra a humanidade é absoluto”, diz Florencia Gagliardi, cientista do Banco Nacional de Dados Genéticos (BNDG). Mas, sem desconsiderar o direito à intimidade, os juízes argentinos também garantem formas alternativas de extrair amostras de DNA para preservar a pessoa que é uma possível vítima de apropriação. Gagliardi detalha que, nos casos em que alguém se nega a tirar sangue para os testes genéticos, há ainda a opção de raspagem bucal – que apresenta alto conteúdo de DNA, bem como as amostras hemáticas. Se mesmo assim a coleta for negada pela pessoa, a justiça pode autorizar uma equipe especializada para ir até a casa dela e solicitar objetos pessoais onde possa haver DNA, como uma escova de dentes ou uma lâmina de barbear. Essas amostras contêm menos material genético, mas todas têm o perfil genético completo processado nos laboratórios do BNDG. Sem ter dimensão de como haviam sido os processos de apropriação na Argentina, Dolto comparou a situação com as crianças que perderam os pais durante a Segunda Guerra na França e foram acolhidas por outras famílias. “O raciocínio [de Dolto] foi que, se a apropriação era traumática por si só, porque incluía o violento processo de separar a criança da mãe, retirá-la da família apropriadora traria um segundo trauma”, explica Armando Kletnicki, psicanalista e chefe de trabalho da Cátedra de Psicologia, Ética e Direitos Humanos da Universidade de Buenos Aires (UBA). Rapidamente após a publicação do conteúdo da reunião, especialistas argentinos reagiram. “As Abuelas e muitos organismos de direitos humanos responderam que era justamente o contrário. Restituir a verdade não era um segundo trauma, mas uma tentativa de resolver o primeiro trauma, que é o da apropriação”, afirma Kletnicki. Eles argumentaram também que se tratava de situações incomparáveis, pois, apesar de em ambas as situações as crianças terem sofrido grandes traumas, no caso argentino elas foram ilegalmente adotadas, inscritas como filhas próprias de outras pessoas e privadas de sua origem, enquanto no caso francês as crianças órfãs pelo nazismo nunca tiveram sua identidade negada. Anos depois, Françoise Dolto reconheceu o equívoco e se retratou às presidentes das Abuelas, Estela de Carlotto e Chicha Mariani, em uma conversa. Mas não registrou as novas reflexões por escrito. “A ideia do segundo trauma ganhou muita relevância porque Dolto era uma psicanalista de renome, então foi escutada pelo mundo. Mas creio que a polêmica se sanou há muito tempo por ela própria, e não há base na psicologia para pensar que a restituição é algo traumático”, acrescenta o pesquisador da UBA. “A verdade é restauradora, não traumática.” A farsa do segundo trauma Em 1986, a renomada psicanalista francesa Françoise Dolto viajou a Buenos Aires para uma série de encontros. Em um deles, em que se reuniu com especialistas em adoções, exílios e desaparecimentos, Dolto dialogou com o escritor Marcelo Losada – que colaborava com as Abuelas de Plaza de Mayo – e defendeu que as crianças apropriadas permanecessem com as famílias que as haviam ‘adotado’. Dessa forma, segundo a psicanalista, evitaria-se um segundo trauma de separação. A psicanalista francesa Françoise Dolto PAILLE/FLICKR
- Buscarita | Abuelas de Plaza de Mayo, direitos humanos e a ciência
A ciência aliada aos direitos humanos Como as Abuelas de Plaza de Mayo recorreram à genética para enfrentar o plano de roubo de crianças da ditadura argentina 132 é o número de casos de apropriação de crianças já resolvidos pelas Abuelas de Plaza de Mayo. Com a ajuda do Banco Nacional de Dados Genéticos, elas ainda seguem em busca de outras centenas de netos tomados de suas famílias biológicas durante a ditadura e criados por pessoas com as quais não tinham nenhum vínculo leia algumas histórias Apro pri a ção é o termo que designa o processo de roubo de crianças sistematicamente realizado pelos militares durante a ditadura argentina. O plano teve a conivência e até participação de outros setores da sociedade, como a medicina, o poder judicial e orfanatos. As Abuelas de Plaza de Mayo estimam que 500 crianças tenham tido as identidades, famílias e infâncias roubadas O plano dos militares leia mais 1987 é o ano em que o Banco Nacional de Dados Genéticos foi fundado para ajudar na recuperação de crianças apropriadas pelos militares. De lá para cá, novas tecnologias e comissões foram desenvolvidas para aprimorar a busca Contexto Genética Passo a passo Lenço branco é o símbolo da luta das Madres e Abuelas de Plaza de Mayo, que se organizaram como duas associações em abril e outubro de 1977, respectivamente. As avós surgiram após perceberem a necessidade de procurar também seus netos, sem esquecer dos filhos. Tentaram diferentes estratégias de busca, inclusive incorporando o papel de detetives, até que conseguissem a ajuda da ciência conheça as Abuelas Busca rita é o nome da mulher que inspira a criação deste site. Abuela de Plaza de Mayo, Buscarita Roa buscou sua neta durante 21 anos até que finalmente a reencontrou em 2000. Com um nome de batismo premonitório, a Abuela chilena teve uma vida permeada por reencontros: buscou e foi buscada. E segue na luta para identificar as centenas de netos que ainda faltam encontrar quem é Buscarita sobre o tema como ajudar
- Buscarita | Ainda desaparecidos
Ainda desaparecidos Nélida Navajas, a avó de Miguel, também não chegou a localizar a neta ou neto desaparecido, que hoje em dia deve ter 45 anos. “Cada dia que passa sem frutos da busca é como uma gotinha que cai. Um dia não é nada, dois dias não são nada, nem uma semana. Mas quando começam a se acumular os meses e os anos, isso pesa, é uma carga”, afirma Miguel. “Eu vi a minha avó, que faleceu depois de ter buscado por mais de 35 anos, perder o ânimo.” A busca continua As Abuelas de Plaza de Mayo estimam que, durante a ditadura militar, 500 crianças tenham sido roubadas para serem criadas por outras famílias que não as suas. Destas, 13 2 já foram localizadas – algumas, na verdade, nem nasceram porque houve gestações de mulheres sequestradas que não chegaram ao fim, mas esses casos também são classificados como resolvidos porque se tem informações sobre seu paradeiro. Restam, portanto, pelo menos 368 casos ainda sem resposta. Um deles diz respeito ao casal Cristina Navajas e Julio Santucho. Ambos militavam pelo Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT) e tinham dois filhos, Camilo e Miguel. Mas não sabiam que Cristina estava grávida do terceiro filho quando foi sequestrada em 13 de julho de 1976. Na verdade, ela já suspeitava, mas não deu tempo de confirmar. Depois de um tempo, sua mãe, Nélida Navajas, encontrou uma espécie de diário em que Cristina contava de um atraso na menstruação e dizia que faria um teste de gravidez. Segundo relatos de sobreviventes de centros de detenção pelos quais Cristina passou, ela de fato teve uma gestação e não estava mais grávida quando foi levada ao traslado final – termo que significava a morte –, em 1977. Julio e Nélida, então, como pai e avó, tinham mais uma pessoa para buscar: o filho ou a filha do casal. Quem me conta essa história é Miguel Santucho, segundo filho de Cristina e Julio, que busca o irmão ou irmã e atualmente trabalha na Casa por la Identidad, centro cultural das Abuelas de Plaza de Mayo que funciona em um dos edifícios do antigo centro de detenção ESMA. Foi aos 10 anos que Miguel começou a entender a trajetória de luta de sua família e as consequências do roubo institucionalizado de crianças durante a ditadura. E ele garante que as emoções ao longo de quatro décadas de busca variaram muito. Quando criança, eram pensamentos pontuais e mais fantasiosos. “Nos aniversários e Natais, pensávamos o que meu irmão estaria fazendo, como seria… por um tempo eu desejei poder compartilhar as coisas com ele, guardava meus brinquedos na esperança de algum dia poder brincar com ele”, diz Miguel. Já na adolescência, os pensamentos eram mais constantes. Quando começaram a aparecer os primeiros netos, Miguel se agarrava à sensação ambígua de estar feliz por outras famílias ao mesmo tempo em que lamentava a cada restituição que não fosse de seu irmão ou irmã. “Isso me refrescava a dor”, conta. Quando adulto, o trabalho das Abuelas o ajudou a ver o processo com mais tranquilidade e amplitude. “Comecei a entender que a busca não poderia ser individual, porque não seria frutífera. A busca é coletiva, então estamos procurando todos os irmãos simultaneamente”, diz Miguel. Uma sala de partos. É assim que Lorena Battistiol Colayago define a sede das Abuelas de Plaza de Mayo. “Você está há 45 anos em uma sala de partos até que dizem: ‘nasceu’. E, então, se questiona: ‘é menino ou menina? Se parece mais com a mãe ou com o pai?’. Essas perguntas típicas de quando nasce um bebê são as que fazemos quando temos a notícia de um resultado positivo”, descreve ela. Ao longo de 20 anos de trabalho na instituição das Abuelas de Plaza de Mayo, Lorena presenciou muitos reencontros entre famílias e pessoas que recuperaram sua identidade. Mas ainda não recebeu a notícia pela qual espera desde que começou a se envolver com o tema da memória, verdade e justiça. Assim como Miguel, Lorena procura por um irmão ou irmã que deve ter nascido durante o cativeiro de sua mãe entre novembro e dezembro de 1977. Lorena conheceu o trabalho das Abuelas por causa de sua avó María Ángela Lescano. A Negrita, como era conhecida, denunciou às Abuelas o desaparecimento de sua filha, Juana Colayago, em 1978. A jovem de 26 anos estava grávida de seis meses quando foi sequestrada junto a seu companheiro Egidio Battistiol na zona norte de Buenos Aires. Ela passou a se envolver na luta das Abuelas aos 25 anos, depois que voltou à cidade natal da mãe e teve um “clique” de que seria útil na busca dos apropriados. “Eu fui até as Abuelas e disse que estava à disposição para o que elas precisassem”, conta Lorena, que hoje é diretora nacional de espaços de memória da Argentina. Depois, o que era disposição se transformou em trabalho do dia a dia, que durou duas décadas, até que foi convidada a trabalhar na Secretaria de Direitos Humanos, que também funciona na antiga ESMA. Atualmente, Lorena garante estar mais ponderada em relação à busca. Mas já imaginou de diferentes maneiras o momento em que lhe contam que seu irmão ou irmã foi encontrado. “Desde que tive meus filhos, sempre penso que no dia em que me avisarem, vou buscá-los para podermos ir à casa das Abuelas”, compartilha. Ao lado da irmã Flavia, ela permanece firme na tarefa de buscar o terceiro neto que a avó Negrita não conseguiu encontrar antes de falecer, em agosto de 2020. A busca pelo irmão é agora como uma missão deixada por Nélida a Miguel. “Claro que é difícil, mas por isso temos um grupo que se apoia, somos uma grande família nas Abuelas, já conhecemos quais podem ser as dificuldades de cada um, e é isso o que me permite dar esse relato hoje de forma habitual”, diz o filho de Cristina e Julio. “Sinto que ocupo um lugar que me permite transformar uma experiência tão terrível quanto o terrorismo de Estado e os sequestros da minha mãe e meu irmão em uma mensagem para passar adiante. É o que também me ajuda a enfrentar isso”, conclui. Julio Santucho e Cristina Navajas junto ao filho Camilo e Nélida Navajas Egidio Battistiol e Juana Colayago com a primeira filha do casal, Flavia Nélida Navajas buscou seu neto ou neta até o fim da vida, durante a qual se dedicou muito à luta das Abuelas María Ángela Lascano, a Negrita, morreu em agosto de 2020 antes de encontrar seu neto ou sua neta To play, press and hold the enter key. To stop, release the enter key. ARCHIVO ABUELAS ABUELAS/REPRODUÇÃO ABUELAs.ORG.AR ABUELAs.ORG.AR
- Buscarita | Legado das Abuelas de Plaza de Mayo
Legado Como isso é possível? Se mataram os filhos destas senhoras, muitas delas enfrentaram situações horrorosas, há mais de 30 anos as estão despistando, com um Estado que virou as costas, com todos os problemas, com a incompreensão da sociedade, com acusações terríveis… E você vê que estão alegres… O que acontece é que esse objetivo [de buscar] é como uma missão herdada de seus filhos. É como se eles tivessem dito: 'deixo isso com você, procure e resolva'." Remo Carlotto é irmão de Laura Carlotto, sequestrada e assassinada pelos militares em 1977, e filho de Estela de Carlotto, presidente das Abuelas de Plaza de Mayo Uma herança de luta As Abuelas levaram muito a sério a tarefa de buscar seus netos. Divulgaram pelo mundo o que se passava na ditadura argentina, conquistaram boa parte da opinião pública, revolucionaram a genética e criaram um legado de luta com a qual muitas delas nem imaginavam se envolver um dia. Formadas por mães de militantes, algumas das quais até desaprovavam a atuação dos filhos, as Abuelas se viram diante de uma missão movida pelo amor e pela busca por justiça. Deram à luz como avós e resgataram a verdade de, até agora, 130 casos de crianças apropriadas, que puderam recuperar sua identidade. E ajudam a manter viva a memória de um processo atroz e violento ao entoar o coro de que “nunca mais” ele deve se repetir. O legado das Abuelas e de cada avó é observado de maneira muito particular em cada depoimento dado por cientistas, antropólogos, filhos de desaparecidos e netos recuperados, mas todos têm em comum a ideia de que a atuação delas atravessa invariavelmente a luta por memória, verdade e justiça. Reproduzir vídeo Reproduzir vídeo Lorena Battistiol Reproduzir vídeo Reproduzir vídeo Miguel Santucho Reproduzir vídeo Reproduzir vídeo Victor Penchaszadeh Reproduzir vídeo Reproduzir vídeo Carla Villalta Reproduzir vídeo Reproduzir vídeo Claudia Poblete Hlaczik
- Buscarita | Contexto de criação do BNDG
Contexto de criação O Banco Nacional de Dados Genéticos foi criado graças à luta das Abuelas de Plaza de Mayo, que surgiram a partir das mães que procuravam seus filhos desaparecidos. Um dia, uma delas se questionou sobre o paradeiro também do neto pequeno e perguntou quem mais buscava crianças sequestradas ou bebês recém-nascidos. Doze mulheres se apresentaram e criaram, então, as Abuelas. Diante de tantas respostas negativas das autoridades sobre o paradeiro de seus filhos e netos, essas mulheres resolveram recorrer à ciência para desenvolver outra maneira de buscá-los. O INÍCIO DE TUDO Reproduzir vídeo Facebook Twitter Pinterest Tumblr Copiar link Link copiado A CIÊNCIA RESPONDE 'SIM' Reproduzir vídeo Facebook Twitter Pinterest Tumblr Copiar link Link copiado As viagens das Abuelas renderam frutos nos Estados Unidos, onde se encontraram com o geneticista argentino Victor Penchaszadeh, que estava exilado em Nova York. O cientista as colocou em contato com a Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS), que ajudou a formar um grupo que se comprometeu a buscar respostas à demanda das avós. Eles, então, conseguiram desenvolver o índice de abuelidad , por meio do qual seria possível confirmar vínculos biológicos entre crianças e avós sem a presença da geração intermediária. A partir daí, a criação do Banco era questão de tempo. O Banco Nacional de Dados Genéticos (BNDG) foi criado em 13 de maio de 1987 pela lei nº 23.511. Exatamente 3 anos e 7 meses depois do fim da ditadura, o Congresso argentino determinava a regulamentação do órgão que viria a se tornar o grande trunfo da busca pelos netos das Abuelas de Plaza de Mayo. Personagens históricos explicam como a perda de poder dos militares, a pressão social, a transição democrática, a ciência e, é claro, as Abuelas garantiram a criação do BNDG imediatamente retomada a democracia. UM MILAGRE EXPLICADO Reproduzir vídeo Facebook Twitter Pinterest Tumblr Copiar link Link copiado OS RESULTADOS Reproduzir vídeo Facebook Twitter Pinterest Tumblr Copiar link Link copiado O BNDG significa para muitos a possibilidade de encontrar-se não apenas com sua família biológica, de que foram separados quando criança, mas principalmente com a sua verdade, identidade e origem. O órgão teve sua legitimidade por vezes questionada, mas segue como referência no processo de memória, verdade e justiça da Argentina. Quatro netos restituídos pelas Abuelas comentam impressões, processos e significados que a análise genética realizada pelo Banco trouxe às suas vidas. Créditos dos vídeos
- Buscarita | Abuelas de Plaza de Mayo
Abuelas de Plaza de Mayo As avós argentinas que enfrentaram o regime militar para encontrar os netos apropriados pela ditadura Trajetória As Abuelas de Plaza de Mayo surgiram em outubro de 1977 após, em uma ronda das Madres de Plaza de Mayo, alguém se questionar sobre o paradeiro dos netos (pequenos ou recém-nascidos) que também estavam desaparecidos. Doze mulheres passaram a se organizar para “buscar aos netos sem esquecer dos filhos”, criando assim as Abuelas Argentinas con Nietitos Desaparecidos. Logo depois, adotariam o nome atribuído a elas pela mídia internacional: Abuelas de Plaza de Mayo. leia mais Buscas Delegacias, igrejas, hospitais e quartéis não davam nenhuma informação concreta sobre o paradeiro dos filhos e netos desaparecidos. Então, as Abuelas passaram a buscar por conta própria, assumindo o papel de detetives à procura das crianças que haviam sido sequestradas junto aos pais. Não passou muito tempo até elas começarem a rodar o mundo para chamar a atenção da comunidade internacional e também dos cientistas, a quem recorreram para desenvolver o grande trunfo de suas buscas: o Banco Nacional de Dados Genéticos. leia mais Legado A luta das Abuelas surgiu como um legado deixado por seus filhos desaparecidos. E seu trabalho incansável, por sua vez, é hoje uma herança à sociedade argentina, que vê a elas e a outros organismos de direitos humanos como referências para impedir que nunca mais se repitam as atrocidades do passado. leia mais Futuro Com poucas Abuelas ainda em atividade, a associação passa por um momento de transição geracional. Os netos restituídos e outros parentes de desaparecidos garantem a continuidade da instituição até que se resolva o último caso de neto desaparecido, com o auxílio do Banco Nacional de Datos Genéticos (BNDG) e dos bisnetos, que podem ser um combustível fundamental para o processo de busca de identidade de quem tem suspeitas sobre as próprias origens. leia mais
- Buscarita | Histórias dos netos
Histórias Nesta página, a trajetória de quatro netos restituídos representa a diversidade de situações, sentimentos e processos vividos por aqueles que tiveram a identidade restituída graças às Abuelas de Plaza de Mayo e ao Banco Nacional de Dados Genéticos Reproduzir vídeo Reproduzir vídeo Reproduzir vídeo Reproduzir vídeo Reproduzir vídeo Reproduzir vídeo Reproduzir vídeo Reproduzir vídeo ABUELAS.ORG.AR Mirta Britos, Oscar Ruarte, Alberto Jotar e Laura Malena: mãe, pai, padrasto e irmã de Tatiana ABUELAS.ORG.AR Ana María Granada e Gastón Gonçalves, pais de Manuel FPB JOSÉ POBLETE O casal Gertrudis Hlaczik e José Poblete Roa com a flha Claudia LUCIANA BARRERA ORO/ANCOM-UBA Guillermo Amarilla Molfino exibe as fotos de seus pais, Guillermo Amarilla e Marcela Molfino MARTÍN ACOSTA Tatiana e sua avó paterna, Amalia Pérez de Ruarte BBC/REPRODUÇÃO Manuel (dir.) e seu irmão Gastón, baixista da banda argentina Los Pericos ABUELAS.ORG.AR Claudia e sua avó Buscarita Roa, mãe de Pepe Oscar foi sequestrado em Córdoba, em 1976, em uma das muitas vezes em que voltava de Buenos Aires após deixar a filha de três anos com a ex-companheira, Mirta. Antes de se separarem, haviam militado juntos pelo Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT). Em agosto de 1977, a pequena Tatiana ganhou uma meia-irmã, fruto da relação entre Mirta e seu novo companheiro, Alberto. “Eu me lembro de perguntar por que ela segurava aquela roupa de bebê e ela me responder: ‘Porque você vai ter uma irmãzinha, eu estou grávida’”, conta Tatiana. Dois meses e meio depois do nascimento de Laura, a mãe e o padrasto de Tatiana também foram sequestrados. Militares invadiram a casa da família para levar Alberto e capturaram Mirta na rua. As meninas de apenas quatro anos e dois meses estavam com a mãe, foram abandonadas em uma praça e posteriormente levadas a diferentes orfanatos. Manuel não chegou a conhecer seu pai, Gastón, que havia sido sequestrado no primeiro dia do regime militar na Argentina – 24 de março de 1976 –, três meses antes do nascimento do filho. A casa de Gastón e Ana María foi alvejada por 40 homens do exército armados com metralhadoras, granadas e bombas de gás lacrimogêneo em 19 de novembro de 1976, assassinando a mãe do pequeno Manuel, então com cinco meses de idade. Antes de morrer, Ana María colocou o bebê dentro de um armário, que o salvou dos gases e das balas. Único sobrevivente do ataque que matou Ana María e a outra família que estava na casa – um casal e duas crianças de três e cinco anos –, Manuel foi levado junto aos corpos a um hospital. Para se recuperar dos problemas respiratórios causados pelos gases, o bebê ficou quatro meses internado sob custódia policial. Depois, um juiz ordenou que ele fosse entregue a uma família com quem não tinha nenhum vínculo biológico. Aos oito meses de idade, Claudia foi apropriada por um tenente-coronel e sua esposa após ter sido levada junto a sua mãe, Gertrudis, ao centro clandestino Olimpo, em Buenos Aires. No mesmo dia do sequestro da companheira e da filha, José (ou Pepe), também foi levado pelos militares. A menina foi criada e registrada como filha própria de um casal que já tinha cerca de 50 anos na época. Foi só durante a adolescência que Claudia começou a se questionar sobre a possibilidade de não ser filha biológica daqueles que se diziam seus pais, devido à idade avançada deles. Mas o que se sobressaía entre as preocupações da menina em relação ao casal era que eles morressem e ela ficasse sozinha. Quando foi sequestrada junto a seus três filhos, em 17 de outubro de 1979, Marcela não sabia que estava grávida de um mês. Em junho de 1980, ela deu à luz seu quarto filho, ainda no centro de detenção Campo de Mayo, em Buenos Aires. O bebê Guillermo foi apropriado por um militar que trabalhava lá, que com a ajuda de um médico falsificou todos os documentos necessários. A ausência de vínculos com aqueles que o tinham criado passou a alimentar as dúvidas em Guillermo, que foram crescendo e o levaram às Abuelas de Plaza de Mayo em 2007, quando já tinha 27 anos. A suspeita nos documentos motivou uma análise genética no Banco Nacional de Dados Genéticos (BNDG), que deu um resultado negativo. Deu negativo porque as famílias de Marcela e seu companheiro (também chamado Guillermo) não tinham conhecimento da gravidez. A história só mudou graças ao depoimento de Silvia Tolchinsky em um dos julgamentos referentes ao Campo de Mayo. A sobrevivente do centro de detenção relatou que Marcela Molfino esteve grávida enquanto detida e que deu à luz. Depois disso, as famílias Molfino e Amarilla foram convocadas a deixar suas amostras de sangue no BNDG, que posteriormente refez as comparações com o sangue de possíveis netos. Dessa vez, Guillermo recebeu um resultado diferente: descobriu que ele era Guillermo Amarilla Molfino, filho de Marcela e Guillermo, militantes da organização Montoneros e desaparecidos desde 1979. Tatiana foi o primeiro caso de restituição pelas Abuelas de Plaza de Mayo. Com respectivamente seis e dois anos, ela e sua irmã estavam sob a guarda do casal Sfiligoy, que queriam adotá-las, quando uma denúncia permitiu que elas fossem localizadas pelas avós no juizado em que corria o processo de adoção. Era 1980, e o BNDG só surgiria sete anos depois. Naquela época, as Abuelas procuravam seus netos principalmente com base em fotos e em informações físicas que tinham das crianças quando muito pequenas, como marcas de nascença. As avós de Tatiana e Laura souberam que haviam encontrado as meninas assim que viram a irmã mais velha, cuja aparência ainda era praticamente idêntica. “Eu me lembro que, nesse primeiro encontro, me perguntaram se eu reconhecia aquelas pessoas e eu disse que não, acho que por medo ou como um mecanismo de defesa”, conta Tatiana. Em outra ocasião, 15 dias depois, ela finalmente reconheceu as avós e iniciou a partir daí seu processo de restituição. As meninas continuaram morando com Inés e Carlos Sfiligoy pois as avós viram que, embora tenham sido separadas da família biológica, elas estavam bem e sendo criadas por um casal que as adotou de boa fé, sem saber de sua origem e sem privá-las de conhecer sua verdadeira identidade. As crianças seguiram vivendo com os pais adotivos, mas com o compromisso de também estar com a família biológica. Manuel já sabia que era adotado, mas nunca imaginou que seria filho de desaparecidos. Foi encontrado após as Abuelas traçarem o caminho pelo qual o menino foi levado, que passou pelo hospital e terminou no juizado de menores. Elas, então, conseguiram descobrir o novo nome que havia sido dado a Manuel e o localizaram. A Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF) teve papel fundamental na busca de Manuel ao descobrir e coletar amostras dos restos de sua mãe, Ana María. Em 1997, ele fez os testes no BNDG que confirmaram sua identidade. Fã da banda Los Pericos, Manuel jamais pensou que o resultado revelaria ainda que o baixista do grupo é seu irmão. “Ele era filho único e eu também, e de repente ambos ganharam um irmão. Ele tem três filhos, então imediatamente eu também virei tio. É muito bonito dizer que eu tenho um irmão, eu falo dele, ele fala de mim, e nos vemos sempre que podemos”, diz Manuel. Durante as brincadeiras de criança, Claudia nunca fez questão de fingir ser a protagonista do desenho suíço Heidi. Ela preferia interpretar a amiga de Heidi, Clara, uma menina loira que andava de cadeira de rodas. “Isso enlouqueceu meus apropriadores, porque eles diziam ‘credo, isso vai atrair coisas ruins, é muito estranho uma menina brincar que não consegue andar’”, conta Claudia. Aos dois anos, ela ganhou de presente um boneco que tinha as pernas curtinhas, de quem não largava onde quer que fosse. Decidiu chamá-lo de Pepe. Foi só depois de fazer o teste genético e descobrir sua verdadeira origem que Claudia tomou conhecimento de que todos chamavam seu pai biológico de Pepe, embora seu nome fosse José. As coincidências não param por aí: Pepe também era uma pessoa com deficiência – havia perdido as duas pernas em um acidente com um trem ainda na adolescência. Uma vez em contato com a família biológica, Claudia soube também que, quando bebê, dava muita risada ao subir no colo de seu pai enquanto sua mãe, Gertrudis, empurrava os dois em cima da cadeira de rodas. “Eu não acredito muito em misticismos, mas isso é um fato. É algo estranho que eu fazia na infância, que talvez esteja relacionado a memórias que vivi quando bebê. Pode ser algo mágico e místico ou simplesmente uma lembrança, dessas coisas que ficam”, comenta ela. Descobrir a verdade Três netos restituídos a partir do trabalho do Banco Nacional de Dados Genéticos contam qual foi a primeira reação logo após receberem o resultado do teste Para conferir a tradução em português, dê o play e clique sobre o botão da nota musical Reencontrar a família (e a si mesmo) Netos entrevistados contam como foi o reencontro com as avós que os buscaram incessantemente Para conferir a tradução em português, dê o play e clique sobre o botão da nota musical
- Buscarita | Futuro das Abuelas de Plaza de Mayo
Futuro Reproduzir vídeo Ao longo de 45 anos de luta, as Abuelas de Plaza de Mayo passaram por diferentes situações, sensações e estratégias. O Banco Nacional de Dados Genéticos foi a solução mais eficaz para ir ao encontro dos netos e incentivar que eles também buscassem as Abuelas. Muitas delas tiveram a felicidade de rever os filhos de seus filhos após anos de apropriação, enquanto tantas outras partiram sem alcançar o reencontro. A instituição teve importantes perdas com o passar do tempo, sendo as mais recentes as mortes da histórica integrante Alba Lanzillotto, em junho de 2022, e de Delia Giovanola, uma das 12 Abuelas fundadoras, um mês depois. As centenas de mulheres que outrora compuseram a organização hoje são representadas por quatro delas: Sonia Torres, Ledda Carreiro, Estela de Carlotto e Buscarita Roa, cujas idades entre 85 e 93 anos não as impedem de se manter na ativa. E o que o futuro reserva para as Abuelas de Plaza de Mayo? Segundo Buscarita, a passagem de bastão para os netos já está encaminhada, e a associação será deixada em muito boas mãos. Mas enquanto existir uma Abuela, é ela quem manda . Envolvimento das famílias No comitê diretor das Abuelas de Plaza de Mayo, os netos restituídos já são maioria. Todas as terças-feiras são discutidas novas ideias e campanhas que deem prosseguimento à busca dos cerca de 370 netos desaparecidos. Os já recuperados acabam se envolvendo na luta por valorizarem a descoberta da verdadeira identidade, assim como aconteceu com eles. “Não é coincidência que a maioria dos netos tenha se dedicado a trabalhar em favor da justiça”, diz Victor Penchaszadeh, geneticista que participou do primeiro grupo que criou o índice de abuelidad . “Há alguns que dizem ‘bom, tenho esse compromisso porque tive os pais que tive, que estão desaparecidos’”, acrescenta. No caso do neto restituído Manuel Gonçalves Granada, seu primeiro envolvimento com as Abuelas foi a partir de uma produtora de publicidade que fazia peças audiovisuais e propagandas para televisão sob encomenda delas. “Depois, fui colaborando no que elas me pediam. Como eu podia contar minha história pessoal, e também do ponto de vista institucional, comecei a representar as Abuelas em muitos lugares”, conta ele, que trabalha na Comissão Nacional pelo Direito à Identidade (CoNaDI), criada a pedido das avós em 1992. Outros colaboradores e organismos Também compõem o comitê diretor da instituição alguns outros familiares de desaparecidos, incluindo filhos que não foram apropriados e procuram por irmãos ou irmãs que nasceram em cativeiro ou foram sequestrados junto aos pais. A associação Abuelas de Plaza de Mayo tem ainda como base todos os colaboradores com quem foi criando laços ao longo dos anos de luta, como advogados, comunicadores, psicólogos e antropólogos que as ajudam no cotidiano e na organização das buscas. Além da transição geracional, o futuro das Abuelas está apoiado nos organismos criados por iniciativa delas. O Banco Nacional de Dados Genéticos vai continuar existindo mesmo depois das avós até que o último neto seja encontrado. A CoNaDI, importante canal para receber pessoas com dúvidas sobre sua identidade, é outro exemplo de ferramentas que ficam para a posteridade. Sociedade vigilante Mesmo com ondas de extrema direita, que tentam apagar ou questionar fatos históricos, a sociedade argentina é mais uma aliada conquistada pelas Abuelas. A conscientização de que a memória histórica e coletiva deve ser respeitada e mantida é parte do legado dessas mulheres – e também ajuda na construção de um futuro sólido. Reações diante de reduções de penas de já condenados por crimes durante a ditadura e pressão contra a impunidade são manifestações comuns e espontaneamente expressivas na Argentina. “Aqui há um grupo muito vigilante em relação ao que acontece com a justiça e os direitos humanos, que não se deixam pisotear”, afirma Victor Penchaszadeh. “Os heróis e heroínas são o povo organizado, são as Abuelas de Plaza de Mayo, são as Madres de Plaza de Mayo, são os cientistas que colaboraram e impulsionaram isso.” “Elas ficarão na memória dos que as conheceram, seguirão estando de outra maneira. Não com sua presença física, porque não são eternas, mas continuarão a partir do trabalho que fizeram.” María Elena Domínguez, psicóloga do Centro de Atenção Psicológica pelo Direito à Identidade, associado às Abuelas
- Buscarita | As 'apropriações'
As 'apropriações' O que fizeram com os filhos dos desaparecidos? É sua primeira vez aqui. Por isso, tudo é novo: os cheiros, os sons, as luzes. Em poucos segundos, saiu de seu maior conforto para experimentar todos os sentidos possíveis. Sem caminho de volta, veio ao mundo. E agora? Apropriação como parte do plano Os bebês nascidos em cativeiro durante a ditadura militar na Argentina (1976-1983) foram privados de sua liberdade desde o parto. Foram retirados dos braços das mães, às quais se dizia que logo seriam devolvidos a elas ou levados aos cuidados de suas famílias. Isso aconteceu raras vezes. “A norma era outra. Após parirem sob condições subumanas, as mães eram transferidas [para a execução] e as crianças eram apropriadas ou inseridas em um circuito, que costumo denominar jurídico-burocrático, composto por creches, tribunais e equipes particulares de adoção”, diz Carla Villalta, coordenadora da equipe de Antropologia Política e Jurídica da Universidade de Buenos Aires (UBA). O que significa ser apropriado? Apropiación é um termo em espanhol cunhado pela equipe de advogados das Abuelas de Plaza de Mayo para definir o processo de roubo de filhos de desaparecidos que foram retirados de suas famílias e entregues a outras pessoas. Neste site, os neologismos em português “apropriação”, “apropriado” e “apropriar” referem-se aos conceitos de apropiación , apropiado e apropiar . Conceitualmente, a apropriação restringe-se ao período histórico da ditadura na Argentina, ou seja, entre 1976 e 1983. “Basicamente está ligada à ideia de perpetuar o desaparecimento dos pais, limpar todos os rastros, substituir a identidade e apagar a origem”, explica a pesquisadora da UBA. Nos centros clandestinos, mantinha-se propositalmente as gestações como parte do Processo de Reorganização Nacional, pelo qual os militares pretendiam exterminar os subversivos. Segundo o discurso que dominava entre as forças armadas, uma educação correta poderia impedir que os filhos dos desaparecidos também propagassem a subversão. Seria como cortar o mal pela raiz poupando a vida das crianças, embora muitas delas tenham sido assassinadas em ataques militares junto a seus pais. Além de roubar os nascidos em cativeiro, as apropriações incluíam como alvo as crianças pequenas que ficaram sozinhas após a execução dos pais ou até as que também foram levadas aos centros de detenção. “Os apropriadores na Argentina pegavam os filhos de quem eles mesmos haviam assassinado, com a ideia de oferecer uma criação que os convertesse em ‘argentinos de fato e de direitos’”, afirma Armando Kletnicki, psicanalista e chefe de trabalho da Cátedra de Psicologia, Ética e Direitos Humanos da UBA. CHRIS DEVERS/FLICKR Infância sob amarras Acomodo-me em uma poltrona e procuro por Claudia. Ela está no balcão do café já buscando seu pedido e, em poucos minutos, me vê e vem a meu encontro. Ela carrega uma bandeja com um pedaço de bolo e um suco de laranja, além da sutil gentileza de trazer consigo dois copos. Me oferece o suco, eu agradeço, mas digo que não quero. Estou um pouco nervosa, porque ela é a primeira apropriada com quem eu falo. E é um tema delicado. Sugiro que comecemos e ajusto a câmera no tripé e o microfone em cima da mesa. Claudia para de comer o bolo e junta suas mãos sobre os joelhos. Ajeita a postura, e também parece um pouco apreensiva, mas mais pela presença da câmera do que pela minha. Peço a ela que se apresente e faço as primeiras perguntas. Estamos nos conhecendo ali, aos poucos, apesar de estarmos falando muito mais dela do que de mim. E eu já conheço boa parte de sua história. Mas agora é diferente; é Claudia quem me conta as coisas que viveu. É ela quem conta que foi apropriada por um tenente-coronel e sua esposa quando tinha oito meses de idade, em novembro de 1978, embora não se lembre. Viveu toda sua infância sob os cuidados de um membro da inteligência do Exército e durante a ditadura que havia sequestrado e desaparecido com seus pais, Pepe e Gertrudis. É Claudia quem conta que, aos oito meses, foi levada ao centro clandestino Olimpo, a oeste da cidade de Buenos Aires, onde um médico cardiologista falsificou sua certidão de nascimento e, junto a um policial, a entregou a seus apropriadores. Quando pergunto sobre sua criação, ela a caracteriza como ‘estranha’. O tenente-coronel e sua esposa criaram Claudia como filha única em um domo de superproteção – e mentiras. Balançando a cabeça como quem lamenta uma lembrança, ela conta que ouvia em casa que os militares travavam uma guerra contra os subversivos, que queriam impor o comunismo na Argentina. O discurso do militar a quem ela chamava de pai era de que eles haviam salvado o país e agora os subversivos e as “loucas da Praça de Maio” tentavam se vingar. Sempre com uma expressão tranquila – e uma voz que às vezes se eleva somente para se sobrepor aos barulhos do café em que estamos –, Claudia fala sobre seus medos de criança. Perder sua suposta família e acabar sozinha, já que seus apropriadores tinham em torno de 50 anos quando a levaram consigo ainda bebê. Para ela, o que sustentou sua apropriação por tanto tempo – e certamente continua a manter tantas outras por aí – foi a criação de um vínculo de dependência emocional quase inabalável junto aos apropriadores: o medo de perdê-los, decepcioná-los e deixá-los. E, por mais que eu já tivesse lido sobre isso, ouvir diretamente de quem viveu esse fardo na pele é sentir mais de perto os danos que o plano sistemático de apropriação causou em uma geração de argentinos. Eu tinha cinco meses quando uma operação realizada na casa em que vivíamos matou minha mãe e uma família com duas crianças de três e cinco anos. Minha mãe havia me posto em um armário no quarto e foi isso que me protegeu um pouco dos gases e me salvou das balas. Depois de quatro meses no hospital com custódia policial, o juiz de menores, que sabia de tudo desde o início, me entrega a uma família que ele conhecia. Durante todo esse tempo nada foi feito para buscar minha família biológica. Manuel Gonçalves Granada Neto de número 57 restituído pelas Abuelas de Plaza de Mayo A adoção fraudulenta usada como método Não só médicos e militares participaram da execução do plano de roubo de meninos e meninas na Argentina. O processo teve o consentimento de juízes e escrivães de cartórios civis que davam prosseguimento a processos ilegais de adoção, falsificavam registros de nascimento ou simplesmente faziam vista grossa à inconsistência de dados e documentos. Ou seja, em muitos casos era possível suspeitar da origem daquela criança em processo de adoção, mas havia conivência jurídica com o plano dos militares. Segundo as Abuelas de Plaza de Mayo, que receberam cerca de 500 denúncias de casos de apropriação, houve quatro formas de roubo. Muitas crianças foram apropriadas pelos envolvidos ou responsáveis pelo desaparecimento ou morte dos próprios pais ou por cúmplices que atuaram no plano de apropriação. Pessoas que conheciam a origem da criança, mesmo sem estar envolvidas na execução prática dos crimes, também registraram meninas e meninos como filhos próprios a partir da falsificação de nomes e datas de nascimento. E existiram ainda muitos casos de adoção, nos quais nem sempre foi possível confirmar o quanto os pais adotivos sabiam ou tinham condições de suspeitar da origem das crianças. Há os casos de adoções de boa fé, em que a família não escondeu o que sabia dos filhos adotivos e colaborou com as investigações das Abuelas, que procuravam pelos seus netos. Mas mesmo assim o processo é considerado fraudulento; afinal, ninguém encaminhou aquelas crianças para adoção. Elas foram forçadas a enfrentar uma condição que não as contemplava. A grande diferença é que essas crianças foram restituídas às suas verdadeiras identidades tão logo se soube quem eram, como é o caso de Tatiana e Laura Sfiligoy , as primeiras netas restituídas pelas Abuelas de Plaza de Mayo. Abuelas de Plaza de Mayo e alguns dos netos já recuperados reunidos na sede da associação, incluindo Laura (à esq. do centro da foto, em frente à mesa) e Tatiana Sfiligoy (atrás da menina de branco, na lateral da mesa) ARCHIVO ABUELAS Mecanismos de defesa Para a psicanalista María Elena Domínguez, que atua no Centro de Atenção Psicológica pelo Direito à Identidade, a apropriação está relacionada a forçar papéis e funções parentais que não existem. “O que o apropriador tenta é criar um laço em que considera a criança um objeto, um objeto de seu discurso”, diz ela, que também participa da Cátedra de Psicologia, Ética e Direitos Humanos da UBA. Os efeitos de uma infância apropriada variam de caso a caso. Um deles pode ser a dificuldade de verbalizar e expressar sensações e angústias de um momento traumático. Uma criança pequena que presenciou a execução ou sequestro dos pais e não domina a comunicação verbal vai registrar aquele episódio de alguma forma. “Considerando que as memórias se constroem a partir de uma lógica entre pensamentos e palavras, algo que aconteceu muito precocemente na vida de quem ainda não domina a linguagem fica como uma marca, mas como se fosse uma marca direta no corpo mesmo”, explica o chefe da Cátedra, Armando Kletnicki. Para lidar com episódios traumáticos, dois mecanismos de defesa muito comuns observados na psicologia são o esquecimento e a negação. Domínguez cita o caso de Paula Eva Logares, que foi a primeira neta recuperada com a ajuda da ciência. Os apropriadores da criança a registraram como filha própria e recém-nascida, embora ela já tivesse quase dois anos de idade. “Para viver com os apropriadores, essa menina teve que esquecer aqueles 23 meses vividos até ali. Então, há algo nesse esquecimento que vai contra a imposição de uma outra realidade”, afirma a psicanalista. Já a negação pode aparecer de maneira sintomática no futuro, apesar de também ser um método de se proteger diante de traumas. Se um adolescente ou jovem criado e formado por um grupo familiar começa a ser confrontado por provas irrefutáveis de que aquela não é sua família biológica e, pior ainda, que aqueles que o criaram fizeram parte do grupo de repressores que podem ser os assassinos de seus pais biológicos, a primeira opção não é aceitar essas informações. “Se eu tenho duas representações que colidem, eu preciso negar uma para sobreviver. Então, rejeito o que está sendo dito”, afirma Kletnicki. O tempo não se devolve Até que se descubra a verdade a respeito da própria origem, o crime sobre os apropriados continua sendo cometido. A cada dia que se escolhe continuar mentindo para uma criança sobre sua história, os efeitos de uma infância apropriada se expandem, afirmam os psicólogos. “Eles escolheram sustentar isso durante 21 anos da minha vida, dizendo que me amavam, mas, na verdade, protegendo a si mesmos de uma decisão que haviam tomado conscientemente aos 50 anos de idade”. Essa é Claudia Victoria Poblete Hlaczik, neta de número 64 restituída pelas Abuelas de Plaza de Mayo. Além dela, as Abuelas contam até agora 131 casos resolvidos. Isto é, 132 histórias de gestações e crianças que haviam sido escondidas da sociedade e das famílias dos desaparecidos e foram descobertas e encontradas. Restituir é devolver algo ao lugar de onde se tirou e reparar os danos que isso pode ter causado, define Armando Kletnicki. Se alguém rouba um carro e bate com ele, por exemplo, a restituição seria devolver o carro após feitos os consertos de uma batida. Mas como isso seria feito com uma pessoa que teve mais do que bens materiais roubados, teve sua própria história de vida apropriada? “Com as pessoas, não há maneira de voltar atrás como se fossem um objeto que você deixa em um mecânico, arrumam e te devolvem”, diz o psicólogo. “O tempo não se devolve, nem os processos que o tempo formou. Não é possível haver crescido com determinadas experiências e apagar isso e começar de novo do lugar onde deveria ter estado.” Neste site, os termos em português “restituição”, “restituído” e “restituir” referem-se ao conceito de restituición de identidad usado pelas Abuelas de Plaza de Mayo. O psicanalista também se questiona sobre o número de netos ainda não encontrados, que são cerca de 370. O que isso pode dizer em relação às apropriações? Que elas tiveram êxito? Como se em alguns casos, mesmo que sob um contexto de mentiras, crianças tenham sido capazes de se construir como sujeito, e hoje pessoas adultas tenham convicção de que não querem explorar seu passado. Ou seria justamente ao contrário? Como se os adultos de hoje não tenham conseguido se desenvolver suficientemente para chegar a perguntar-se quem são. “Isso seria fruto de uma lógica de criação que os condenou a ser objetos do outro. Mas não temos essa resposta”, afirma Kletnicki. Paula Eva Logares junto à sua avó Elsa Pavón ABUELAS DE PLAZA DE MAYO/Fotografías de años en lucha
- Buscarita | Quem é Buscarita
A mulher por trás do nome do site A chilena Buscarita Imperi Roa vive na Argentina há 50 anos. Mudou-se para o país vizinho para viver junto ao filho Pepe, que havia ido para lá em 1971 com o objetivo de fazer um tratamento ortopédico. Durante a adolescência, Pepe sofreu um acidente que o fez perder as duas pernas. Ao chegar no hospital para ver o filho, a primeira coisa que Buscarita ouviu foi: “Mãe, não fique triste nem chore. Eu vou ser a primeira pessoa a correr com pernas ortopédicas”. E lá foi ele, aos 16 anos, em busca do feito na Argentina. Em 28 de novembro de 1978, durante a ditadura militar, Pepe e sua companheira Trudy foram sequestrados em Buenos Aires. A neta de Buscarita, que tinha apenas oito meses, foi junto dos pais até um campo de detenção. Lá, permaneceu por três dias até que um militar a levasse para casa para registrá-la como filha própria. E assim Claudia Poblete Hlaczik foi criada. Na época, Buscarita trabalhava como supervisora da limpeza em um prédio do governo que ficava muito próximo à Praça de Maio, no centro de Buenos Aires. Sem respostas sobre o paradeiro do filho, nora e neta nas muitas delegacias pelas quais passou, Buscarita resolveu um dia se aproximar daquelas mulheres que caminhavam ao redor da praça e, a partir daí, se uniu à luta das Madres e Abuelas de Plaza de Mayo. Buscarita seguiu em sua busca incessante por anos até que Claudia fosse encontrada e identificada como filha de José Poblete Roa (o Pepe) e Gertrudis Hlaczik (a Trudy), em fevereiro de 2000. A reaproximação entre avó e neta foi lenta, mas a Abuela respeitou o tempo da jovem que havia passado mais de duas décadas acreditando que sua identidade era outra. Um dia, ambas conversavam sentadas e Claudia se levantou, pegou na mão de Buscarita e a fez levantar para que dessem o primeiro abraço. E a neta disse: “Obrigada, vó, por ter me buscado e me dado a chance de conhecer minha verdadeira identidade”. Luta, família e trabalho Ao longo dos anos em que buscava por Pepe, Trudy e Claudia, a Abuela chilena tinha que conciliar o trabalho com os cuidados dos outros filhos e da casa, que era muito distante do centro de Buenos Aires. “Para as Abuelas mais pobres era muito mais difícil, porque tínhamos que levantar às 5 da manhã, pegar um trem, vir trabalhar, escapar do trabalho, fazer a ronda da praça e voltar”, conta Buscarita. Depois, ela chegava tarde em casa e deixava prontas as refeições para os filhos comerem no dia seguinte. Da busca coletiva feita pelas Abuelas, Buscarita ganhou muitas companheiras para a vida. “Tínhamos reunião toda semana, depois começamos a tomar um cafezinho, um chá, a rir, a chorar, todas juntas. E assim fomos virando amigas, amigas, amigas”, diz ela. Mesmo depois de encontrar Claudia, Buscarita não deixou de buscar os outros netos apropriados. “Não importava que não fôssemos a avó, encontrar um neto era como reencontrar o nosso. Era uma festa, o recebíamos com todo o amor do mundo”, conta. Hoje em dia, ela é a única avó que continua indo quase todos os dias à casa das Abuelas, em Buenos Aires. A presidenta Estela de Carlotto segue trabalhando de sua casa, em La Plata. Respectivamente de Córdoba e Mar del Plata, Sonia Torres e Ledda Barrero são as outras avós que completam o quarteto que permanece em atividade. Ambas ainda não encontraram os netos ou netas que devem ter nascido durante o cativeiro de suas filhas, mas seguem firmes na luta. Uma vida de buscas Os pais de Buscarita lhe deram um nome que foi premonitório em relação à sua vida. Uma década antes de localizar Claudia, a chilena teve outro reencontro potente. Mas nesse caso era ela quem estava sendo buscada. Um dia, uma colega de escola de Fernando, um de seus filhos, ouviu em uma rádio do Chile que dois irmãos procuravam por uma mulher chamada Buscarita e disse a ele que devia ser sua mãe. Ele respondeu que não podia ser, porque sua mãe não tinha irmãos. A colega, convicta de que não devia haver muitas pessoas chamadas Buscarita pelo mundo, insistiu na informação e convenceu Fernando a entrar em contato com a rádio. Sim, era ela. Aos 50 anos, Buscarita descobriu ter dois irmãos e, enfim, os conheceu. Eles foram separados após a morte dos pais de Buscarita em um acidente de carro. Ela tinha três anos e foi viver com sua avó paterna, enquanto seus irmãos mais velhos – que eram filhos da mãe de Buscarita, mas de outro pai – passaram a morar com a família paterna. A rádio passou o telefone do tio de Fernando, que ligou para ele e ouviu, do outro lado, alguém dizer aos gritos: “Encontrei minha irmãzinha, encontrei minha irmãzinha!”. PAULA SANSONE E VALERIA DRANOVSKY/ANCCOM-UBA Buscarita Roa junto à neta e à bisneta, Claudia Poblete e Guadalupe Álvarez Como é ter um nome que tem tudo a ver com as buscas? Buscarita Roa Sim! Todos me dizem o mesmo. Acontece algo muito estranho comigo, porque Buscarita… o ‘bus’ vem de ‘buscar’. Meus irmãos me buscaram, eu busquei meu filho e minha neta. Então, bem, meu nome faz todo sentido. Buscarita, muito obrigada! Buscarita Roa Não, por favor, obrigada a você pelo que está fazendo. Meu encontro com Buscarita: ternura de avó Demoro para encontrar o número certo, mas não o suficiente para me atrasar. Quando me localizo, toco a campainha e entro. Não à toa chamam a sede da associação de casa das Abuelas. A sensação de casa vem tanto da madeira que resistiu com o passar dos anos quanto da presença calorosa das muitas pessoas que entram e saem pela porta. É terça-feira, dia da reunião semanal do comitê diretor, então aproveito para ficar atenta à chegada dos netos com os quais ainda não consegui marcar entrevistas. Ouço parte da conversa de telefone entre a pessoa que me recebeu e o que deve ser a Buscarita do outro lado da linha. Sou informada de que ela acabou de entrar no táxi, mas que não deve demorar muito pois mora perto dali. Sim, vou conversar com uma Abuela de Plaza de Mayo e não me aguento de animação por dentro, mas tento não deixar transparecer. Quando ela chega, já estou com a câmera posicionada depois de mexer um pouco nas poltronas da sala para ajustar o enquadramento. Depois de me cumprimentar, ela se senta em outra poltrona, então pergunto se ela se incomoda em mudar para a outra, no canto da sala. Ela aceita com simpatia e começamos a entrevista. Fico preocupada em tomar muito de seu tempo e cansá-la (como fiz com o Victor após quase três horas de entrevistas que tiveram de ser divididas entre dois dias). Mas a cada resposta que ela conclui, solta um sorriso que indica estar tudo bem. Depois da última pergunta, agradeço pela entrevista e me levanto para cumprimentá-la com as mãos, o que logo se torna um abraço afetuoso. Com uma ternura bem típica de avós. Saímos da sala, e eu já estou tomada por uma sensação de que meu trabalho está dando certo. Na verdade, ali, depois daquela entrevista, a sensação é de que já deu certo. A conversa de 30 minutos com Buscarita me serve de combustível para seguir firme o ritmo de apuração nos quatro dias que me restam em Buenos Aires. Dos quatro netos com quem combinei de falar, só consegui encontrar-me com uma – que é justamente Claudia, a neta de Buscarita. Mas aproveito a visita à casa das Abuelas para esperar a chegada dos outros membros do comitê diretor que vêm para a reunião. Ainda é cedo, porém; a reunião só começa em duas horas. Espero em uma cadeira ao lado da porta e me atento à dinâmica daquele lugar. A campainha toca, alguém atende e abre a porta de fora e, depois de alguns segundos, também a de dentro. As pessoas que já estão na casa se dividem entre as várias salas e corredores que existem nela, mas ressurgem na sala principal toda vez que alguém chega. Quem entra é recebido com sorrisos e abraços, como se fosse sempre aniversário de alguém. Eles parecem felizes por estarem ali. Em uma dessas vezes, Buscarita reaparece e me vê novamente. Demonstra surpresa por eu ainda estar ali e preocupação por ser hora do almoço e eu ainda não ter comido. Vem até mim, toca no meu ombro e me oferece uma bolacha, um chazinho ou um mate. Sinto como se eu estivesse com a minha avó. Paro para pensar como é possível que aquela senhora, que tem uma faixa de cabelos brancos e um lenço colorido enrolado no pescoço, nunca tenha perdido a ternura apesar das dificuldades da vida, da perda do filho para a ditadura e da apropriação da neta. E lembro-me do que ela disse que a motiva a seguir trabalhando nas Abuelas: o amor. O amor aos filhos, o amor aos netos e o amor à vida, “porque enquanto se estiver vivo, é possível seguir fazendo coisas”.