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cientista manipula material genético em laboratório

Como fazer o teste

Antes de chegar ao banco

 

O resultado de um teste genético feito no Banco Nacional de Dados Genéticos é a última etapa de um minucioso processo de investigação sobre as origens de uma identidade. O BNDG só avalia amostras de sangue quando a análise de documentos, informações e depoimentos não permite excluir a possibilidade de que determinada pessoa seja filha ou filho de desaparecidos. Ou seja, não se sai fazendo análises de todos que suspeitam de sua identidade: elas são como a instância final para confirmar ou refutar a hipótese de que alguém seja neta ou neto das Abuelas de Plaza de Mayo.

 

O primeiro passo é dar início à investigação. Ao longo dos anos, as Abuelas receberam muitas denúncias anônimas ou nominais em relação a possíveis casos de apropriação. Durante ou logo após a ditadura, não eram raras os telefonemas de vizinhos ou amigos que suspeitavam de um casal que havia aparecido, do dia para a noite, com um bebê em casa. Com as campanhas de conscientização das Abuelas, várias denúncias passaram a chegar também muitos anos depois do fim da ditadura a partir de quem resolveu contar o que sabia ou se lembrou de alguma informação que poderia ter a ver com casos de apropriação. 

 

Busca ativa pela própria identidade

 

No final dos anos 1990, quando as Abuelas se deram conta de que os netos também poderiam estar em busca delas, a instituição criou a área de apresentação espontânea para receber pessoas com dúvidas sobre sua identidade. No segundo andar do prédio que abriga a sede das Abuelas, no bairro portenho de Montserrat, quatro pessoas se dividem para atender e fazer entrevistas com todos que chegam com suspeitas relacionadas à sua origem. 

 

 

os vínculos biológicos. “A ideia é gerar um espaço tranquilo, de muita conversa, que dura entre 45 minutos e 1 hora e meia”, conta Rodríguez, que trabalha na área há 17 anos. 

Como muitos documentos foram falsificados durante a ditadura, às vezes é difícil confirmar a data de nascimento. Mas há alguns caminhos que descartam a possibilidade de que alguém seja um possível neto das Abuelas. “Se a pessoa foi registrada antes de 1975, por exemplo, ela não é filha de desaparecidos”, afirma Rodríguez. “A certidão diz quando a pessoa foi registrada, que é diferente da data de nascimento. A data de registro é a que temos como verdadeira, porque ninguém vai registrar um bebê que ainda não tem”, acrescenta ela. Como a ditadura começou em 1976, não teria como alguém registrado em 1974 ter sido vítima de apropriação. 

 

A situação é diferente em casos de registro posterior a 1976. Paula Eva Logares, por exemplo, foi sequestrada junto à mãe em 1978 e registrada por militares como recém-nascida naquele ano. Só que ela já tinha quase dois anos. A investigação e análise desses documentos cabe à Comissão Nacional pelo Direito à Identidade (CoNaDI).

Papel do Estado nas buscas

 

Diferentemente do Banco Nacional de Dados Genéticos, a CoNaDI está aberta ao público para receber pessoas com dúvidas e ajudá-las na busca. Todas as pessoas que passam pela área de apresentação espontânea das Abuelas, inclusive, são encaminhadas à comissão, que é responsável por abrir investigações e dar prosseguimento (ou não) ao pedido de análise genética no BNDG.  

Para chegar ao Banco, portanto, todos os casos passam pela CoNaDI – exceto os que são investigados diretamente pela justiça, que também pode ordenar a realização de testes genéticos.

"As Abuelas, como ONG, atendem a pessoa e a encaminham para a CoNaDI, que é o Estado. Então, pegamos essa informação, abrimos um arquivo e começamos a trabalhar no caso. Se a documentação não der respostas quanto à origem biológica da pessoa, ordenamos ao BNDG que colha uma amostra, realize a análise e nos informe o resultado."

Manuel Gonçalves Granada

secretário-executivo da CoNaDI e neto
restituído pelas Abuelas de Plaza de Mayo em 1997

Uma delas é María Laura Rodríguez. Segundo ela, cerca de 500 pessoas entram em contato com as Abuelas anualmente para apresentar suas dúvidas. Esse número sofreu variações ao longo do tempo: começou com 50 pessoas nos primeiros anos, chegou a 800 após um programa de televisão abordar o tema da restituição e oscilou conforme restituições impactantes aconteceram, como a de Ignacio Montoya Carlotto, neto da presidenta Estela de Carlotto, em 2014.

Nas entrevistas, que são confidenciais, o objetivo é identificar as pessoas que nasceram entre 1975 e 1980, anos considerados chaves para casos de apropriação, e entender o que motiva as dúvidas das pessoas. Há quem chegue já com a informação de que não é filho biológico de quem o criou – os que sabem que são adotados – e há quem suspeite sobre 

ignacio carlotto e estela de carlotto

O músico Ignacio Montoya

Carlotto, neto da presidenta das Abuelas, Estela de Carlotto, recuperou sua identidade em 2014

ARCHIVO ABUELAS

As análises genéticas

 

Cada amostra de DNA que entra no Banco tem seu perfil genético completo extraído – e uma parte é guardada como ‘reserva’ para análises posteriores. Com o perfil genético processado, um computador faz a comparação entre o material do suposto neto e o de cerca de 300 grupos familiares armazenados no Banco. “Em um caso de combinação, a primeira coisa a ser feita é repetir toda a análise a partir das amostras de reserva”, explica Florencia Gagliardi, chefe da área de DNA mitocondrial do Banco.

 

A conclusão da análise é encaminhada à CoNaDI, que dá a notícia aos envolvidos de maneira sigilosa. Em caso de compatibilidade, o grupo familiar correspondente também é avisado. “Mas o resultado só é feito público se é da vontade da pessoa. As Abuelas informam [à sociedade] que encontraram um novo neto ou neta, que é filho de tal pessoa, e nada mais. Não revelam como a pessoa se chama atualmente, nem onde vive”, diz Manuel Gonçalves. “Isso é feito para que a pessoa possa ter o tempo de seu processo de restituição respeitado”, acrescenta o representante da CoNaDI.

De acordo com Gagliardi, são realizadas entre 1 mil e 1,2 mil análises genéticas anualmente, e o tempo médio até que saiam os resultados é de cerca de três meses.

Com a ajuda do BNDG, Carina Rosavik e Carolina Sangiorgi descobriram, após 40 anos, serem irmãs. O resultado foi descoberto em setembro de 2022

irmãs carina rosavik e carolina sangiorgi

Outros casos (e causas) do Banco

Criados para procurar exclusivamente os filhos de desaparecidos, a CoNaDI e o BNDG hoje também ajudam a resolver casos de tráfico de bebês que não tenham a ver diretamente com a ditadura. “A questão aqui é tratar de resolver a origem biológica das pessoas, não importa o período, quem esteve envolvido nisso ou a relação com a ditadura”, afirma Gonçalves. 

 

Há alguns anos, o Banco tem trabalhado em situações que não necessariamente são exclusivas ao terrorismo de Estado, o que já resultou em 19 reencontros entre mães e filhos que foram vítimas de tráfico de bebês. As análises também ajudaram a revelar casos de irmandade, como o de Carina Rosavik e de Carolina Sangiorgi, que se descobriram 100% filhas do mesmo pai e da mesma mãe após mais de 40 anos separadas.

MAURO V. RIZZI/LA NACIÓN

Netos que ninguém busca

 

São 300 os grupos familiares que seguem à espera de um resultado positivo. “É um número dinâmico”, comenta Florencia Gagliardi. “Talvez algum grupo familiar tenha tido o caso resolvido e outros tenham sido incorporados.” A geneticista refere-se tanto à possibilidade de novas denúncias surgirem quanto às situações em que uma família descobre que a filha ou companheira do filho deu à luz enquanto estava presa em um dos centros de detenção.  

 

Foi o que aconteceu com Guillermo Amarilla Molfino. Em 2007, ele procurou as Abuelas para apresentar suas dúvidas e contar sua história, que o encaixava muito bem à possibilidade de ser um neto apropriado. Em sua certidão de nascimento, constava que ele havia nascido no Campo de Mayo, em Buenos Aires. Não estava escrito ‘Hospital Militar de Campo de Mayo’, mas apenas ‘Campo de Mayo’, que é uma base militar onde funcionaram um centro de detenção e uma maternidade clandestina. 

Guillermo deixou sua amostra no BNDG e posteriormente recebeu a notícia de que seu DNA não havia demonstrado compatibilidade suficiente com nenhum dos perfis do Banco. “Quando veio o resultado negativo, fechei as portas e disse ‘bem, essa questão acaba aqui’. O que eu queria era fazer uma pergunta, não importava se a resposta fosse sim ou não, qualquer opção era possível. A resposta foi não; então, aceitei, arrumei minha mochila e segui meu caminho”, conta ele.

 

Dois anos depois, o depoimento de uma sobrevivente do Campo de Mayo alteraria a trajetória de Guillermo. Silvia Tolchinsky relatou em 2009 que Marcela Molfino estava grávida no ano de 1980, enquanto esteve detida no Campo de Mayo. Nem a sua própria família sabia, pois quando Marcela foi sequestrada, em 1979, a gestação estava ainda no primeiro mês.

 

A partir do testemunho, as famílias de Marcela e seu companheiro foram ao BNDG deixar seu sangue – trinta anos depois dos desaparecimentos. “No caso em que integrantes são adicionados ao Banco e se monta um novo grupo familiar, todas as amostras de possíveis vítimas de apropriação que guardamos no Banco são comparadas a essa família”, explica Florencia Gagliardi. Portanto, cada nova inserção de grupos familiares à base de dados gera comparações com o material de todos os jovens que já haviam recebido um resultado negativo. 

 

Mesmo anos depois de ter fechado a porta para essa possibilidade, Guillermo descobriu ser filho de Marcela Molfino e Guillermo Amarilla, ambos desaparecidos desde o dia 17 de outubro de 1979. Ele não chegou a conhecer suas avós, que morreram na década de 1980 sem sequer saber da existência de um quarto neto além dos três filhos que o casal Molfino Amarilla já tinha. Aos 29 anos, Guillermo descobriu sua origem. Hoje, ele é membro do comitê diretor das Abuelas e trabalha para que o Museo Sitio de Memoria ESMA se torne patrimônio mundial da Unesco. 

fachada do hospital militar do campo de mayo

CULTURA.GOB.AR

fachada do Museo Sitio ESMA

Museo Sitio de Memoria ESMA, Buenos Aires

Aqui funcionou um dos 762 centros de detenção e tortura utilizados pelos militares

e espalhados pelo país durante a ditadura argentina

ESMA/FLICKR

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